Próximo Texto | Índice
FÓRUM CULTURAL MUNDIAL
Cientista canadense se apresenta com trio suíço Young Gods em show que evoca tribalismo
Projeto une barulho eletrônico e natureza
ALEXANDRE MATIAS
FREE-LANCE PARA A FOLHA
O cientista canadense Jeremy
Narby embarcou em uma viagem
tropical de dois anos no meio da
selva, guiado por alucinações decorrentes da ingestão do chá de
ayhuasca. Estas o levaram a crer
que as informações sobre plantas
que se obtinha durante o transe
selvagem não vinham do chá, mas
estavam contidas em nosso DNA.
Essa controversa teoria, publicada em livro no exterior, é a base
do espetáculo "Amazonia Ambient Project", que Narby apresenta hoje e amanhã no Sesc Paulista, ao lado dos terroristas sônicos dos Young Gods, apresentando a faceta ambient e atmosférica
de seu CD "Music for Artificial
Clouds", lançado neste ano.
Os três Young Gods (Franz
Treichler, Alain Monod e Bernard
Trontin) e Narby se reuniram para conversar com a Folha sobre
esse projeto, que marca a primeira vinda do grupo suíço ao Brasil.
Folha - Como o Amazonia Ambient Project começou?
Franz Treichler - Alain (Monod)
e Jeremy se conhecem desde a
adolescência. Em 87, eu o conheci
pessoalmente quando estávamos
começando os Young Gods, e ele
passou a acompanhar a banda.
Jeremy Nardy - Escrevi minha tese de doutorado ouvindo o primeiro disco deles (risos).
Folha - Como a música dos Young
Gods se relaciona com seu livro?
Nardy - Eu havia voltado da
Amazônia e achava difícil voltar a
me integrar à cultura ocidental.
Ao mesmo tempo, ouvia o primeiro disco deles e aquele som
barulhento por alguma razão tinha a ver com o que eu estava sentindo. Falei com Franz sobre isso,
como aquele som era, de alguma
forma, telúrico -a música de
vulcões e terremotos-, e ele disse
que, ao mesmo tempo, era cósmico. E fazia sentido, algo que acontecia embaixo da terra indo em direção ao cosmo. E da mesma forma você tem o transe, o xamanismo, o conhecimento indígena...
Rock'n'roll! (risos)
Folha - Pareceu natural para a
banda fazer música relacionada à
Amazônia?
Treichler - Para mim, sim. Meu
pai é brasileiro e minha avó era
descendente de índios, e eu sempre tive essa fascinação. Musicalmente, acho que nós miramos
nos mesmos objetivos: questionar
coisas, provocar confronto entre
culturas diferentes.
Nardy - E há também, do meu
ponto de vista, o fato de eles estarem usando a mais avançada tecnologia para, ao mesmo tempo,
soar como a natureza.
Folha - Mas há uma série de semelhanças entre tribalismo e a cultura eletrônica...
Treichler - Acho que há uma necessidade de ritos tribais urbanos,
que não têm a ver apenas com
música, mas com a reunião de
pessoas e o uso de substâncias
químicas. É a mesma origem de
rituais que acontecem em aldeias.
Nardy - Perceba que não é uma
coincidência o fato de um cientista suíço ter descoberto o LSD (risos).
Folha - Essa experiência de vocês
pode ser considerada uma espécie
de xamanismo ocidental ou racionalizado?
Treichler - Sim, embora diluído
em nossa cultura.
Nardy - Acho que é muito importante tomar cuidado com as
palavras. Músicos de rock'n'roll
não agem em nome da comunidade nem entram em contato
com espíritos, mas trabalham
com estados de transe. Os xamãs
também fazem isso, mas isso não
quer dizer que Mick Jagger seja
um xamã.
Folha - Mas ele pode funcionar
como xamã para as pessoas.
Nardy - Mick Jagger cura as pessoas? Isso pode ser um critério.
Ou mesmo se ele diz se comunicar com espíritos? Porque é isso
que os xamãs fazem. Por que não
separar um músico de rock de alguém que trabalha com estados
de transe? São rótulos diferentes, e
eu acho importante usá-los com
cuidado.
Folha - Mas separar os rótulos
não impede a fusão de culturas
opostas que o próprio projeto se
propõe?
Nardy - Usar a ciência e o xamanismo como formas de entender
o mundo ao mesmo tempo é como amarrar dois pássaros um ao
outro -eles não irão voar. Acho
que há diferenças fundamentais
entre os dois métodos. Não dá pra
misturá-los.
AMAZONIA AMBIENT PROJECT. Hoje e
amanhã, às 18h30, no Sesc Paulista (av.
Paulista, 119, tel. 3179-3400). Entrada
franca. Ingressos devem ser retirados
com uma hora de antecedência.
Próximo Texto: Participantes criticam debates unilaterais Índice
|