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"MAL SECRETO - A VIDA AMOROSA DE OFÉLIA"
Peça arrisca com inventividade, mas peca em atuação
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
Duas metáforas articulam
"Mal Secreto - A Vida Amorosa de Ofélia": o pega-pega e o
espelho. Logo na primeira imagem, Hamlet e Ofélia se perseguem pelos corredores do palácio
-as dez portas do hall do espaço
da Cultura Inglesa, que tem assim
sua inadequação para o teatro
surpreendentemente convertida
em virtude.
O texto sofisticado de Steven
Berkoff se coloca assim imediatamente também como uma busca:
a de uma forma baseada na performance dos atores (o que vem
se conceituando como "teatro físico") para conter um texto arriscadamente literário, já que não há
diálogos, apenas cartas ditas em
voz alta.
Se esse teatro epistolar remete
ao desejo apodrecido das "Ligações Perigosas", de Laclos, Berkoff conta por outro lado com o
conhecimento prévio por parte
do público da trama original do
Hamlet shakespeariano.
Na contramão de uma tendência atual de politizar peças de Shakespeare "de amor", como "Romeu e Julieta" ou "Otelo", o autor
inglês aqui romantiza uma peça
eminentemente política. Hamlet e
Ofélia são ressaltados em seu desamparo amoroso: são como Romeu e Julieta sem Ama nem Frei,
adolescentes tentando recuperar
o vigor do verbo elisabetano em
chats eróticos da internet.
Os dois combinam assim se desprezarem em público, ridicularizam os pais, até perderem o controle da situação, e a loucura é o
preço a pagar de um desejo impossível de ser acolhido pela podre Dinamarca. Como se vê, uma
bela contribuição para a exegese
de "Hamlet".
Inventividade
A densidade poética é bem recuperada pela tradução de Luiz
Fernando Ramos, e a direção de
Beth Lopes é de uma inventividade extraordinária. Arrisca-se, como sempre fez, a deixar a responsabilidade sobre os atores. Essa
coragem, e o bom embasamento
da proposta, proíbe no entanto
qualquer condescendência, e é
preciso dizer que a performance
dos atores é ainda imatura.
Clarisse Kiste se mantém plausível na sexualidade adolescentemente desesperada de Ofélia:
sempre sensual, às vezes comovente, quase que literalmente carrega um piano em cena, crucificando-se em seu colchão e afogando-se narcisicamente em seu
espelho, em uma dinâmica na
qual o cenário da diretora dialoga
intimamente com a bela luz de
Marisa Bentevegna -operada
pelos atores em cena- e a elegante trilha original de Marcelo Pellegrini.
O espelho, no entanto, prejudica bastante Theodoro Cochrane.
Aplicando-se em realizar sua
complicada partitura de gestos,
deixa escapar seu depoimento
pessoal sobre a solidão de Hamlet
e contracena pouco com Kiste.
Contar uma história por meio de
cartas é tarefa difícil e várias vezes
se perde o fio da meada.
O espetáculo "Mal Secreto", assim, acaba se sustentando em
uma série de achados cênicos, que
atores mais experientes teriam incorporado melhor. O gesto de
apontar rouba o foco da direção
apontada, a busca é ofuscada pelo
narcisismo -mas são esses os
nobres riscos do teatro experimental.
Mal Secreto - A Vida Amorosa de Ofélia
Texto: Steve Berkoff
Direção: Beth Lopes
Com: Clarissa Kiste, Theodoro Cochrane
Onde: Cultura Inglesa - Higienópolis (av.
Higienópolis, 449, Higienópolis, região
central, tel. 3826-4322)
Quando: sex. e sáb., às 21h; e dom., às
19h; até 25 de julho
Quanto: R$ 20
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