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CINEMA/CRÍTICA
"Uma Carta sem Palavras" une duas gerações
ESTHER HAMBURGER
especial para a Folha
Ella Lewenz, nascida Arnhold,
em 1883, na Alemanha, era uma
cineasta amadora.
Senhora burguesa, casada com
um empresário da indústria telefônica, mãe de seis filhos, Ella não
se separava da filmadora com a
qual retratou com força e sensibilidade fragmentos da vida na Alemanha de Hitler.
Escondidos em uma caixa no
sótão da casa de seu filho na América, os rolos de filme trouxeram à
tona o passado, 50 anos depois,
quando foram
encontrados
pela neta. Essa
neta é Lisa Lewenz, autora
de "Uma Carta
sem Palavras",
que o Festival
de Cinema Judaico exibe hoje, às 19h, no
MIS - Museu
da Imagem e
do Som.
No filme sobre os filmes,
neta e avó se
relacionam na
linguagem
proposta pela
mais velha.
"Uma Carta sem Palavras" foi
feito para televisão, co-produzido
pelo Serviço Independente de Televisão Pública (ITVS), exibido
em cadeia nacional pela rede PBS
e badalado em fóruns de cinema
como o Sundance, Berlim e Vancouver. Trata-se de um "documentário subjetivo", no qual a diretora-personagem reflete sobre o
legado de sua família.
Até os 13 anos, Lisa foi criada na
religião episcopal, sem consciência de sua origem judaica. O contato com o passado judeu-alemão
de pessoas que se queriam mais
patriotas do que religiosas, e que
foram pegas de surpresa pela ascensão de Hitler, sensibilizou a jovem americana.
Os filmes de Ella Lewenz são reveladores pelo que exibem e pelo
que omitem. Ella dominava a linguagem cinematográfica e registrou com maestria a vida familiar
nos recantos e momentos que a
iluminação natural permitia.
A senhora berlinense filmou o
exterior da casa da família, a vila
no campo, festas dançantes no
jardim, jogos de tênis, ski, viagens
turísticas a Paris, Palestina, Egito,
a convivência com amigos intelectuais e famosos, como o cientista Albert Einstein ou a atriz Brigitte Helm.
Não há registro de cerimônias
religiosas. As imagens de família
retratam traços castanho-escuros, marca corporal indelével, que
os distingue e exclui da comunidade alemã construída pelos nazistas como essencialmente
ariana, de cores claras, ironicamente recessivas.
Ella começou fazendo
uma espécie de
diário da vida
privada. Com
o tempo, seu
olhar se desloca e ela passa a
focalizar um
tabu que não
se verbalizava:
o crescimento
da opressão
contra os judeus em locais públicos.
Placas nos parques, nas estradas
e nas piscinas sinalizam o que era
e o que não era permitido. A suástica ocupa as ruas.
Ella Lewenz continuou a filmar,
clandestinamente, mesmo depois
que o cinema amador foi proibido, em 1933. Viajou de navio para
a América munida da câmera
com a qual registrou a chegada a
Manhattan. Registrou a devastação da Alemanha no pós-Guerra,
onde foi se despedir dos amigos.
Em seu filme sobre o material da
avó, Lisa refez o percurso de Ella,
reconstruiu seus enquadramentos.
A neta busca o colapso da distância temporal na coincidência
espacial da câmera. O olhar silencioso e sensível de Ella representa
um nexo na cadeia genealógica,
um nexo capaz de iluminar filiações ocultas nas diásporas e deslocamentos contemporâneos.
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