São Paulo, sábado, 04 de setembro de 2004

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TEATRO/CRÍTICA

Peça sobre Coco Chanel se limita a representação de um mero desfile

SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

O que uma atriz como Marília Pêra faz no meio de um desfile de modas, em "Mademoiselle Chanel"? Claro, o desfile pode ser visto como uma metáfora: a mítica Coco Chanel desfila sua vida na passarela, driblando com sua grife a fofoca rasa.
Maria Adelaide Amaral traça com sua habitual competência a trajetória desta ex-cantora de cabaré que através da moda exigiu respeito às mulheres livres, associando auto-estima ao despojamento. Ao fim do expediente de sexta, para fugir da solidão, ela fala sem parar. A tendência ao didatismo faz com que acumule nomes e referências culturais que honram a pesquisa, mas entravam a ação. A luxuosa produção se esmera em projetar fotos num telão, mas tudo se parece com uma conferência em Power Point.
Uma atriz com menos experiência se deixaria engolir pelo espetáculo e pela fragmentação da narrativa. Mas Pêra impõe respeito assim que surge, no alto de uma escadaria cercada de espelhos, de um gosto que é melhor não questionar. Dali para frente será um duelo com sua imagem, que ela vence com desenvoltura, preenchendo o desolamento branco do cenário com uma partitura gestual vigorosa e precisa, como quem esculpe gelo. Compõe a personagem com uma técnica primorosa, não decepcionando quem vem para vê-la.
Porém, nem mesmo ela resiste às sistemáticas interrupções para pequenos desfiles, como se a "maison" Chanel exigisse que o figurino roubasse o foco. As modelos-atrizes se esmeram nas poses, mas isso soa como uma ingênua caricatura da função de ator.
É injusto pensar que Pêra acredite que bons atores não precisem de bons atores para contracenar. Tendo o espelho como único parceiro à altura, alfineta a superficialidade de suas colegas de cena para o deleite da cúmplice platéia de senhoras de meia-idade, que têm o cuidado de se apresentarem também com seus chanéis. Assim, a peça se ofusca com esse marketing superficial.
Com esse público no bolso, Pêra poderia se arriscar mais, em espetáculos que exigissem mais de todos: afinal, a elite também precisa ser formada enquanto platéia. Mas a chave do espetáculo está talvez no momento em que Chanel descreve o figurino luxuoso que fez para uma peça de Cocteau, sem acreditar em seu talento de dramaturgo: "Era para ser um evento, não uma peça de teatro".
Pêra é uma grande atriz. Merece muito mais que um evento. Mas parece se contentar com isso.


Mademoiselle Chanel
  
Direção: Jorge Takla
Com: Marília Pêra e outros
Onde: teatro Faap (r. Alagoas, 903, tel. 3662-7233)
Quando: sex. (21h); sáb. (19h e 21h30); dom. (18h). Até 31/10
Quanto: de R$ 65 a R$ 70



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