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ERUDITO
Roberto Minczuk rege a "Primeira Sinfonia" de Brahms com a Osesp, antecipando os concertos na Alemanha
Duas semanas de guerras e charmes da música
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Foi muita música na Sala São
Paulo, ao longo dos últimos
dez dias. Começando na quinta
retrasada com o curioso e charmoso "Concerto para Harmônica
e Orquestra" de Villa-Lobos
(1887-1959) e chegando até a "Sinfonia Nš 1" de Brahms (1833-97),
que a Osesp, regida por Roberto
Minczuk, vai apresentar na Alemanha no fim do mês. O ponto alto foi a "Oitava Sinfonia" de Shostakovich (1906-75), regida por
John Neschling: a música nos limites da humanidade.
Villa-Lobos sempre teve olho
para as oportunidades, fossem
elas políticas -caso de seu engajamento no programa populista
de Getúlio Vargas-, fossem mais
propriamente musicais. Escrever
um concerto para gaita-de-boca,
em 1955, era praticamente duplicar o repertório e assegurava execuções e "royalties".
Dizer que o solista italiano
Gianluca Littera toca como um
virtuose seria o mínimo, e independe da concorrência mirrada.
Pena que o instrumento fique
quase inaudível nas vastidões da
sala: para quem estava no mezanino, deu vontade de pôr uma
lente no ouvido. Será que a amplificação é sempre um sacrilégio?
Já o Shostakovich explodiu a
barreira dos decibéis: nas cordas,
nos metais, nos tímpanos (a inesquecível sequência de rufos crescendo e diminuindo no meio do
primeiro movimento). Escrita em
1943, a "Oitava" faz trinca com o
"War Requiem" de Britten e a
"Sinfonia em Três Movimentos"
de Stravinski, todas elas composições da catástrofe. Das três, é a
mais difícil e a menos tocada, e
talvez seja a mais impressionante.
Só a entrada das violas, no
"Allegretto", já valeria a noite de
quinta e a tarde de sábado (quando a orquestra estava ainda mais
afiada). Ou o quarteto de flautas
em "flutter-tongue" (som de
trrrr), no "Largo". Incrível que
tanto sofrimento caiba em música. Incrível que tanta música saia
de tão pouco -um simples intervalo de segunda, por exemplo, no
último movimento. A Osesp vibra
com o repertório sinfônico do século 20; e Neschling entende essa
música com o coração.
Menos feliz foi o Mozart desta
quinta, o conhecidíssimo e belíssimo "Concerto Nš 21" para piano
e orquestra. Renomado por sua
inteligência artística, o outro solista italiano, Bruno Canino, lutou
aqui para cumprir trinados e escalas. Toca um Mozart de contornos, mais do que de nuanças; mas
faltou passar o "Pro-Tools" no
documento final. Acontece.
Antes disso: Minczuk regendo a
marcha fúnebre do "Crepúsculo
dos Deuses" de Wagner (1813-83), um aperitivo e tanto para o
anunciado "Anel sem Palavras"
do ano que vem.
Depois: o Brahms. Que ainda
não está no ponto é óbvio. Minczuk arrancou entusiasmos brilhantes das cordas e um glorioso
fortíssimo dos primeiros violinos
no último tema. Mas aqui e ali as
coisas não parecem um pouco
descontroladas? Até o fim do mês,
a Osesp toca a "Sinfonia" quatro
vezes. Chegando na Alemanha,
deve dar um show.
Osesp
Onde: Sala São Paulo (pça. Júlio Prestes,
s/nš, tel. 3337-5414)
Quando: hoje, às 16h30
Quanto: de R$ 16 a R$ 52
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