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São Paulo, sábado, 04 de outubro de 2003

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ERUDITO

Roberto Minczuk rege a "Primeira Sinfonia" de Brahms com a Osesp, antecipando os concertos na Alemanha

Duas semanas de guerras e charmes da música

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

Foi muita música na Sala São Paulo, ao longo dos últimos dez dias. Começando na quinta retrasada com o curioso e charmoso "Concerto para Harmônica e Orquestra" de Villa-Lobos (1887-1959) e chegando até a "Sinfonia Nš 1" de Brahms (1833-97), que a Osesp, regida por Roberto Minczuk, vai apresentar na Alemanha no fim do mês. O ponto alto foi a "Oitava Sinfonia" de Shostakovich (1906-75), regida por John Neschling: a música nos limites da humanidade.
Villa-Lobos sempre teve olho para as oportunidades, fossem elas políticas -caso de seu engajamento no programa populista de Getúlio Vargas-, fossem mais propriamente musicais. Escrever um concerto para gaita-de-boca, em 1955, era praticamente duplicar o repertório e assegurava execuções e "royalties".
Dizer que o solista italiano Gianluca Littera toca como um virtuose seria o mínimo, e independe da concorrência mirrada. Pena que o instrumento fique quase inaudível nas vastidões da sala: para quem estava no mezanino, deu vontade de pôr uma lente no ouvido. Será que a amplificação é sempre um sacrilégio?
Já o Shostakovich explodiu a barreira dos decibéis: nas cordas, nos metais, nos tímpanos (a inesquecível sequência de rufos crescendo e diminuindo no meio do primeiro movimento). Escrita em 1943, a "Oitava" faz trinca com o "War Requiem" de Britten e a "Sinfonia em Três Movimentos" de Stravinski, todas elas composições da catástrofe. Das três, é a mais difícil e a menos tocada, e talvez seja a mais impressionante.
Só a entrada das violas, no "Allegretto", já valeria a noite de quinta e a tarde de sábado (quando a orquestra estava ainda mais afiada). Ou o quarteto de flautas em "flutter-tongue" (som de trrrr), no "Largo". Incrível que tanto sofrimento caiba em música. Incrível que tanta música saia de tão pouco -um simples intervalo de segunda, por exemplo, no último movimento. A Osesp vibra com o repertório sinfônico do século 20; e Neschling entende essa música com o coração.
Menos feliz foi o Mozart desta quinta, o conhecidíssimo e belíssimo "Concerto Nš 21" para piano e orquestra. Renomado por sua inteligência artística, o outro solista italiano, Bruno Canino, lutou aqui para cumprir trinados e escalas. Toca um Mozart de contornos, mais do que de nuanças; mas faltou passar o "Pro-Tools" no documento final. Acontece.
Antes disso: Minczuk regendo a marcha fúnebre do "Crepúsculo dos Deuses" de Wagner (1813-83), um aperitivo e tanto para o anunciado "Anel sem Palavras" do ano que vem.
Depois: o Brahms. Que ainda não está no ponto é óbvio. Minczuk arrancou entusiasmos brilhantes das cordas e um glorioso fortíssimo dos primeiros violinos no último tema. Mas aqui e ali as coisas não parecem um pouco descontroladas? Até o fim do mês, a Osesp toca a "Sinfonia" quatro vezes. Chegando na Alemanha, deve dar um show.


Osesp   
Onde: Sala São Paulo (pça. Júlio Prestes, s/nš, tel. 3337-5414)
Quando: hoje, às 16h30
Quanto: de R$ 16 a R$ 52



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