São Paulo, Terça-feira, 05 de Outubro de 1999
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TEATRO CRÍTICA

"Decadência" expõe burguesia em palavras e ações /B>

NELSON DE SÁ
da Reportagem Local


Em muitos momentos, "Decadência" mais parece um balé, talvez algum "happening" de expressão corporal ou coisa assim. Beth Goulart abre as pernas e as fecha sobre Guilherme Leme, que a segue num movimento sensual semelhante, depois em outros, numa relação obsessiva entre a expressão da palavra e aquela da ação física.
Uma geralmente é complementar à outra, na encenação, mas também, por vezes, se contrapõe à outra. O resultado é de grande beleza e sensualidade -e é absolutamente fiel ao teatro de Steven Berkoff, o inglês autor da peça, que preconiza o chamado "teatro físico", do qual dizem até que foi um pioneiro.
Berkoff, que estudou com Jacques Lecoq, o mestre francês que ensinava mais ou menos em tal linha, embora abominasse a mímica, é ator e diretor, além de autor. Vem de encenar uma versão londrina de "East" -seu primeiro texto, de duas décadas atrás- numa direção muito próxima da mostrada pelos atores brasileiros e pelo diretor argentino Victor Garcia Peralta.
Nos dois espetáculos, a aspereza das palavras e das imagens acompanha uma crítica social e moral, até mesmo política, violenta. No caso de "East", o alvo é o próprio ambiente em que Berkoff nasceu, a região "classe trabalhadora" de Londres. Em "Decadência", o retrato que se faz é sobretudo da alta burguesia, em plena "decadência" de ociosidade, amoralidade, fastio etc.
"Decadência" não chega a ser um tratado do gênero, à maneira de Sade, mas é intenso e grosseiro como Berkoff sabe ser. Também é um deleite para os dois atores. A peça é erguida em pequenos solos, em solilóquios mais do que em diálogos.
São dois casais que se revezam no palco, interpretados sempre por Beth Goulart e Guilherme Leme. Um casal reúne dois amantes cínicos e algo infantilizados da alta burguesia; o outro, a mulher endinheirada que foi traída e um detetive grosseiro que ela se esforça, na cama, para convencer a matar o marido.
O texto retrata muito da estratificação social inglesa, como sempre acontece com Steven Berkoff, mas é acima de tudo o que o título aponta: um flagrante da decadência, da corrupção.
Beth Goulart, embora pudesse definir mais as diferenças entre uma personagem e outra, é de uma exatidão formal de tirar o fôlego, precisamente no "teatro físico". É de um virtuosismo que chega a fazer esquecer o mais que acontece, em cena.
Guilherme Leme se detém a um passo de tal virtuosismo físico, priorizando a caracterização de seus dois personagens em nuances realistas. Aprofunda e enriquece assim o jogo de antagonismos que percorre a apresentação de "Decadência".


Avaliação:    

Peça: Decadência
Autor: Steven Berkoff
Direção: Victor Garcia Peralta
Elenco: Beth Goulart e Guilherme Leme
Quando: seg. e ter., às 21h
Onde: Teatro Cultura Inglesa (r. Dep. Lacerda Franco, 333, tel. 814-0100)
Quanto: R$ 20


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