São Paulo, sexta-feira, 06 de junho de 2008

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Crítica/"Antes que o Diabo Saiba que Você Está Morto"

Lumet desafia o público em suspense sobre desconstrução de crime

Novo longa do diretor tem Philip Seymour Hoffman e Ethan Hawke como irmãos que planejam roubo a joalheria

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

É primeiro a didática o que importa em "Antes que o Diabo Saiba que Você Está Morto", novo filme de Sidney Lumet que estréia hoje no circuito de cinemas.
Por didática não se entenda uma série de medidas facilitadoras da aproximação do espectador com o filme.
Trata-se, antes, de uma es- pécie de minuciosa dissecação de um crime, de um jogo em que o sentido nunca se mostra plenamente.
Talvez já estejamos esquecidos do que venha a ser isso, já que à recente convenção cinematográfica importa apenas observar os acontecimentos o mais rapidamente possível.
Sidney Lumet ("Rede de Intrigas"), no entanto, é um homem do ramo. Sabe que um crime envolve um profundo investimento pessoal, um desvio em relação à norma. Envolve elementos apenas parcialmente controláveis e conseqüências em parte sempre impre- visíveis.
Andy (Philip Seymour Hoffman) talvez acredite que não haja imprevistos no crime que imagina e no qual envolve seu irmão, Hank (Ethan Hawke): roubar a pequena joalheria dos pais. Mas eles acontecem e numa escala que se mostra difícil de controlar, já que a própria mãe é morta na ação. O que fazer diante disso é um dos problemas que Andy e Hank terão pela frente.

Complexidade
Mas o que pode levar alguém que nada se supõe inclinado ao crime a se envolver numa ação desse tipo?
Fazer essa demonstração é o empenho central do filme e sua virtude maior (maior até do que a excelente direção dos atores). Em sua construção, é como se o crime e tudo que está em torno dele fosse desfolhado, camada após camada, para que aquilo que em um primeiro momento poderia ser apenas uma manchete superficial nos apareça como um jogo em que inúmeras implicações surjam a justificar a decisão dos irmãos.
Lumet monta seu suspense evitando a construção linear. Seu filme constrói-se em blocos lógicos, ao longo dos quais apenas uma parte dos fatos chega até nós.
É a percepção da parcialidade desses dados que nos mantém atentos: é pelo lado do conhecimento que Lumet nos provoca.
Ora, o espectador -o contemporâneo, sobretudo- é como uma criança que deseja respostas imediatas para saciar sua curiosidade.
É na medida em que se recusa a dá-las que "Antes que o Diabo Saiba que Você Está Morto" se afirma, mostrando mais tortuosa, cena após cena, aquela ação que a princípio nos pareceu tão simples: é como se Lumet nos lembrasse que o sentido das coisas nunca aparece de imediato.
O que pode se mostrar de imediato é uma aparência de sentido, um fantasma -nada mais.
Num filme de tantas virtudes, é uma pena que Lumet opte por recusar todo humor, criando um filme bem mais austero do que o necessário.
E Philip Seymour Hoffman, em inúmeros momentos, parece demonstrar o desejo de expressar esse aspecto, que o filme poderia muito bem conter e que o tornaria não menos relevante, porém mais completo.


ANTES QUE O DIABO SAIBA QUE VOCÊ ESTÁ MORTO
Produção: EUA, 2007
Direção: Sidney Lumet
Com: Philip Seymour Hoffman, Ethan Hawke, Marisa Tomei, Albert Finney
Onde: a partir de hoje no Espaço Unibanco Pompéia, HSBC Belas Artes e circuito; classificação: 14 anos
Avaliação: bom



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