São Paulo, sábado, 06 de setembro de 2003 |
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TEATRO Cia. Luna Lunera, de BH, prioriza o sentimento amoroso em lugar do escândalo latente na peça de Nelson Rodrigues "Perdoa-me..." mineiro expõe desamores
VALMIR SANTOS DA REPORTAGEM LOCAL "Canalha! Canalha!", grita o marido durante o enterro da mulher, que, não se sabe, cometeu suicídio ou foi assassinada ao ingerir veneno. Traição. Quem acompanha a cena, em princípio, pensa que o homem está xingando um amante da mulher morta, mas tudo é autoflagelação naquele viúvo. A peça do marido que se culpa pela mulher que o traiu tem origem nesse episódio que Nelson Rodrigues (1912-80) presenciou em criança, conforme o crítico Sábato Magaldi e o biógrafo Ruy Castro. A partir de hoje, o público paulistano confere nova montagem de "Perdoa-me por me Traíres". É o primeiro espetáculo da Cia. Luna Lunera, de Belo Horizonte, estreado em 2000, que inicia temporada no Sesc Belenzinho. Em 2001, a encenação do diretor convidado Kalluh Araújo, com atores recém-formados pelo curso da Fundação Clóvis Salgado -°Palácio das Artes, ganhou nove prêmios na capital mineira. Passou por Rio, Bahia, Rio Grande do Sul e Chile. O texto é pleno em "detalhezinhos de alcova". Estão lá as obsessões do dramaturgo com o desejo aflorado, a traição confessa e a falsa moral de plantão. Lá, nos anos 50, a peça já abordava temas bastante atuais, com um deputado que arroga a imunidade parlamentar para seduzir uma menor. O diretor, contudo, não se rende às primeiras impressões da peça. Interessa-lhe menos o escândalo, mais o que vai pelos corações desses personagens impagáveis. "Não discuto o clichê, mas o sentimento do amor que é tão desvalorizado nos dias de hoje. É um espetáculo passional", afirma Araújo, 42. Há dois planos de narrativa em "Perdoa-me...". No presente, a colegial Glorinha, 15 (interpretada por Maria Alice Rodrigues, que não guarda parentesco com o autor), mora com os tios Raul (Cláudio Dias) e Odete (Fernanda Kahal). A tia é louca. O tio a superprotege como uma amante, espelhando desejo que também nutria pela cunhada morta. Glorinha é aliciada por uma colega de classe, Nair (Isabela Paes), para frequentar o bordel de Madame Luba (Ana Flávia Rennó), provocando a fúria do tio, que a tinha como "menina sem sexo". Lá pela metade, o passado é invocado. Raul relata à sobrinha que fim levou o casamento dos pais dela, Judite (Cláudia Corrêa) e Gilberto (Odilon Esteves). Amigos e familiares esculhambam a mãe por causa da traição. Morte. O pai, hoje internado num hospício, não lhe condena. Além de proferir a frase-título, arremata: "A adúltera é mais pura porque está salva. Salva do desejo que apodrecia nela". Araújo se diz um diretor "muito imagético". Também assina figurino, cenografia e preparação corporal. "Trabalho muito com o teatro-dança, é minha base primeira. O espetáculo é todo expressionista. E o que faz o ator se movimentar é a palavra. Nenhum gesto é aleatório", afirma. Em cena, os personagens transitam uma espécie de ringue no qual chafurdam literalmente na lama. "Como se fossem esfarrapados na miséria humana, na falta de amor, de beleza." PERDOA-ME POR ME TRAÍRES. De Nelson Rodrigues. Direção: Kalluh Araújo. Com: Cia. Luna Lunera (Fabiano Pérsi, Marcelo Souza e Silva, Renata Mazzoni e outros). Onde: Sesc Belenzinho - galpão 1 (av. Álvaro Ramos, 915, Belém, tel. 6602-3700). Quando: estréia hoje, às 20h30; sáb., e dom., às 20h30. Quanto: R$ 15. Até 12/10. Próximo Texto: Osesp/crítica: Um amor que se pode distinguir do ódio Índice |
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