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OSESP/CRÍTICA
Pianista argentino Bruno Leonardo Gelber é o solista do concerto nš 2 de Brahms, hoje com a orquestra
Um amor que se pode distinguir do ódio
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
A sequência de bons pianistas na cidade -Valentina
Lisitsa, Menahem Pressler, Jean-Louis Steuerman e Rudolph
Buchbinder, no intervalo de dez
dias- chegou ao ponto mais esperado com o argentino Bruno
Leonardo Gelber, tocando o
"Concerto nš 2" de Brahms (1833-97) anteontem com a Osesp, regida por John Neschling.
Mais esperado e mais inesperado. Gelber é o mais imprevisível
dos pianistas, o que deve ser entendido como virtude. Não só não
se pode imaginar como tocará o
mesmo Brahms hoje à tarde, por
exemplo, como não se pode imaginar como será o compasso seguinte, depois que a coisa começou. E a coisa foi gigantesca, na
quinta: um Brahms avassalador,
seja no sentido formal -grandes
massas de música em movimento-, seja no sonoro, com esse
pianista capaz de cobrir a orquestra com a mão direita sozinha.
Que dizer dos acordes tonitruantes da mão esquerda, que
não deram sopa nem para os contrabaixos.
No começo, ninguém suspeitaria. Gelber tocou a primeira frase
muito delicadamente, no limite
do exagero. No limite: é o tipo de
entrada que deixa clara a presença
de um pianista em cena. Quando
chegou a "cadenza", atacou com
uma ferocidade impressionante.
Não é um Brahms para os tímidos
nem para os professores.
Talvez não haja, na atualidade,
outro pianista deste porte capaz
de errar tantas notas num concerto. Sem que isso tenha maior importância. Ouvir Gelber é aceitar a
música em seus termos: tocou a
passagem mais difícil do Brahms
(um pequeno trecho do segundo
movimento) como se fosse "O Pife"; mas entregou a Deus dezenas
de notinhas óbvias, em fins de arpejo. Reclamar disso é passar
atestado de filisteu.
E o "Andante"? Foi lindo, com
um solo expressivo do violoncelista Johannes Gramsch. Mas Gelber estava mesmo numa noite de
Marte, não de Vênus. Depois dos
dois primeiros movimentos, o fogo já não queimava igual. O último já tinha pouco gás, a despeito
do "Schwung" que Neschling arrancou da banda, com eloquência
vienense.
Um pianista desses se ama ou se
detesta. Os justos amam. Os outros ainda não.
Agora podemos voltar ao começo. O Coro da Osesp cantou duas
obras-primas para coro e orquestra de Brahms: "Nênia" e "A Canção do Destino". Tudo começa no
oboé (belo solo de Arcádio Minczuk); as cordas fazem uma sucessão de dissonâncias. O coração já
se quebrou e as vozes nem entraram ainda: "Auch das Schöne
muss sterben!" ("Até o belo tem
de morrer!"). Palavras do poeta
romântico Schiller, que redobram
seu sentido na música.
O suavíssimo toque dos tímpanos, no final da "Canção do Destino", reescreveu a poesia de Hölderlin também, em termos de
Brahms: a "claridade eterna" dos
deuses não é para nós. Exceto em
momentos assim. Depois cada
um que se cuide, "caindo no incerto" anos a fio.
Osesp
Onde: Sala São Paulo (pça. Júlio Prestes,
s/nš, tel. 3337-5414)
Quando: hoje, às 16h30
Quanto: de R$ 16 a R$ 38
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