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São Paulo, sábado, 06 de setembro de 2003

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OSESP/CRÍTICA

Pianista argentino Bruno Leonardo Gelber é o solista do concerto nš 2 de Brahms, hoje com a orquestra

Um amor que se pode distinguir do ódio

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

A sequência de bons pianistas na cidade -Valentina Lisitsa, Menahem Pressler, Jean-Louis Steuerman e Rudolph Buchbinder, no intervalo de dez dias- chegou ao ponto mais esperado com o argentino Bruno Leonardo Gelber, tocando o "Concerto nš 2" de Brahms (1833-97) anteontem com a Osesp, regida por John Neschling.
Mais esperado e mais inesperado. Gelber é o mais imprevisível dos pianistas, o que deve ser entendido como virtude. Não só não se pode imaginar como tocará o mesmo Brahms hoje à tarde, por exemplo, como não se pode imaginar como será o compasso seguinte, depois que a coisa começou. E a coisa foi gigantesca, na quinta: um Brahms avassalador, seja no sentido formal -grandes massas de música em movimento-, seja no sonoro, com esse pianista capaz de cobrir a orquestra com a mão direita sozinha.
Que dizer dos acordes tonitruantes da mão esquerda, que não deram sopa nem para os contrabaixos.
No começo, ninguém suspeitaria. Gelber tocou a primeira frase muito delicadamente, no limite do exagero. No limite: é o tipo de entrada que deixa clara a presença de um pianista em cena. Quando chegou a "cadenza", atacou com uma ferocidade impressionante. Não é um Brahms para os tímidos nem para os professores.
Talvez não haja, na atualidade, outro pianista deste porte capaz de errar tantas notas num concerto. Sem que isso tenha maior importância. Ouvir Gelber é aceitar a música em seus termos: tocou a passagem mais difícil do Brahms (um pequeno trecho do segundo movimento) como se fosse "O Pife"; mas entregou a Deus dezenas de notinhas óbvias, em fins de arpejo. Reclamar disso é passar atestado de filisteu.
E o "Andante"? Foi lindo, com um solo expressivo do violoncelista Johannes Gramsch. Mas Gelber estava mesmo numa noite de Marte, não de Vênus. Depois dos dois primeiros movimentos, o fogo já não queimava igual. O último já tinha pouco gás, a despeito do "Schwung" que Neschling arrancou da banda, com eloquência vienense.
Um pianista desses se ama ou se detesta. Os justos amam. Os outros ainda não.
Agora podemos voltar ao começo. O Coro da Osesp cantou duas obras-primas para coro e orquestra de Brahms: "Nênia" e "A Canção do Destino". Tudo começa no oboé (belo solo de Arcádio Minczuk); as cordas fazem uma sucessão de dissonâncias. O coração já se quebrou e as vozes nem entraram ainda: "Auch das Schöne muss sterben!" ("Até o belo tem de morrer!"). Palavras do poeta romântico Schiller, que redobram seu sentido na música.
O suavíssimo toque dos tímpanos, no final da "Canção do Destino", reescreveu a poesia de Hölderlin também, em termos de Brahms: a "claridade eterna" dos deuses não é para nós. Exceto em momentos assim. Depois cada um que se cuide, "caindo no incerto" anos a fio.


Osesp    
Onde: Sala São Paulo (pça. Júlio Prestes, s/nš, tel. 3337-5414)
Quando: hoje, às 16h30
Quanto: de R$ 16 a R$ 38



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