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São Paulo, sábado, 07 de junho de 2003

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"ROMA"

Fellini projeta imaginário extravasado pelo espetáculo

TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA

A Roma de Fellini começa por ser a projeção do imaginário de uma criança provinciana, um continente perdido na memória de infância do cineasta. A desordem dessas primeiras imagens acentua-lhes o caráter de reminiscências: o paganismo romano dos cinemas, as missas papais transmitidas pelo rádio, o ator que interpretou Júlio César numa montagem teatral, a juventude fascista desfilando nos cinejornais.
O que chama a atenção na Roma imaginária que se projeta sobre os habitantes da cidade natal de Fellini, a Rimini dos anos 20/ 30, não é apenas a caótica sobreposição de eras; é o fato de a Roma de Fellini ser, desde a origem, um mundo atravessado e depois extravasado pelo espetáculo.
Em "Roma", o espetáculo começa como um meio e acaba um fim em si mesmo. Fellini não se interessa muito pela realidade, seu país é o imaginário. Quando o cineasta entra em cena como diretor de um pseudodocumentário sobre a "cidade eterna", não é senão ao (próprio) imaginário que retorna: a propósito de documentar um engarrafamento, Fellini retoma a sequência onírica que serve de prólogo a seu "8 e 1/2".
Quando jovens parceiros de sua equipe de filmagem o interpelam em nome de uma maior objetividade, Fellini invoca o passado e os tempos em que se refugiava, durante a guerra, na doce alienação das casas de teatro de variedades.
Enfurnando-se, durante a guerra, nesse universo do espetáculo popular, Fellini descobriu a melhor maneira de resistir à estética fascista e ao espetáculo da guerra. Ele fez dos palhaços e vedetes de quinta categoria seus companheiros de Resistência. Seus primeiros filmes, realizados ainda sob o legado neo-realista, partiam da (dura) realidade, mas para buscar no espetáculo uma saída, uma vazão para o imaginário. Depois, abandonando qualquer pretexto na exploração desse mundo espetacularizado de sua imaginação, Fellini só fez criar, para nós, novas e múltiplas entradas.


Roma
Idem
     Produção: Itália/França, 1972 Direção: Federico Fellini Com: Peter Gonzales, Fiona Florence Quando: em cartaz no Cineclube DirecTV e Espaço Unibanco



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