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"ROMA"
Fellini projeta imaginário extravasado pelo espetáculo
TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA
A Roma de Fellini começa por
ser a projeção do imaginário
de uma criança provinciana, um
continente perdido na memória
de infância do cineasta. A desordem dessas primeiras imagens
acentua-lhes o caráter de reminiscências: o paganismo romano dos
cinemas, as missas papais transmitidas pelo rádio, o ator que interpretou Júlio César numa montagem teatral, a juventude fascista
desfilando nos cinejornais.
O que chama a atenção na Roma imaginária que se projeta sobre os habitantes da cidade natal
de Fellini, a Rimini dos anos 20/
30, não é apenas a caótica sobreposição de eras; é o fato de a Roma de Fellini ser, desde a origem,
um mundo atravessado e depois
extravasado pelo espetáculo.
Em "Roma", o espetáculo começa como um meio e acaba um
fim em si mesmo. Fellini não se
interessa muito pela realidade,
seu país é o imaginário. Quando o
cineasta entra em cena como diretor de um pseudodocumentário
sobre a "cidade eterna", não é senão ao (próprio) imaginário que
retorna: a propósito de documentar um engarrafamento, Fellini retoma a sequência onírica que serve de prólogo a seu "8 e 1/2".
Quando jovens parceiros de sua
equipe de filmagem o interpelam
em nome de uma maior objetividade, Fellini invoca o passado e os
tempos em que se refugiava, durante a guerra, na doce alienação
das casas de teatro de variedades.
Enfurnando-se, durante a guerra, nesse universo do espetáculo
popular, Fellini descobriu a melhor maneira de resistir à estética
fascista e ao espetáculo da guerra.
Ele fez dos palhaços e vedetes de
quinta categoria seus companheiros de Resistência. Seus primeiros
filmes, realizados ainda sob o legado neo-realista, partiam da
(dura) realidade, mas para buscar
no espetáculo uma saída, uma vazão para o imaginário. Depois,
abandonando qualquer pretexto
na exploração desse mundo espetacularizado de sua imaginação,
Fellini só fez criar, para nós, novas
e múltiplas entradas.
Roma
Idem
Produção: Itália/França, 1972
Direção: Federico Fellini
Com: Peter Gonzales, Fiona Florence
Quando: em cartaz no Cineclube
DirecTV e Espaço Unibanco
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