São Paulo, terça, 7 de julho de 1998

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DANÇA
Bailarino incinera as próprias roupas em espetáculo
Gabriel "pega fogo" em nova montagem

Divulgação
Marcelo Gabriel, que estréia hoje, às 21h30, no estúdio Nova Dança, o espetáculo "Um Solo com a Sombra"


ANA FRANCISCA PONZIO
especial para a Folha

Marcelo Gabriel já perfurou os lábios em cena para manifestar sua revolta contra a Aids. Em seu novo espetáculo -"Um Solo com a Sombra"-, que estréia hoje no estúdio Nova Dança, ele ateia fogo às roupas para homenagear o índio pataxó Galdino Jesus dos Santos, que morreu queimado, no dia 20 de abril de 97, por um grupo de jovens, enquanto dormia em um ponto de ônibus, em Brasília.
"Embora meu trabalho seja muito associado à dor, eu não sou um masoquista", diz Gabriel, o mineiro de 27 anos que vem despertando atenção com seus espetáculos-solo, que misturam dança, teatro e show musical.
"Faço um trabalho de denúncia social. Preciso criar imagens fortes para chamar a atenção da opinião pública, porque as questões brasileiras são urgentes. Perante as circunstâncias em que vivemos, não consigo fazer coreografias com passos convencionais."
Contudo, o público não terá motivo para ficar assustado durante o momento em que Gabriel dança em chamas.
Além dessa sequência coreográfica ser muito rápida, ele usa um óleo apropriado no corpo, que o protege do fogo.
Além do índio pataxó, Gabriel também faz referências a personalidades da história brasileira recente, como Chico Mendes. Essencialmente, ele procura discutir, em "Um Solo com a Sombra", a questão dos sem-teto e sem-terra.
"Procuro fazer um trabalho político, sem engajamento, mas voltado para a consciência social", explica.
Sobre a tendência de fazer das minorias as matérias-primas de seus roteiros, ele acrescenta: "Talvez eu me sinta próximo deles, pois também me considero um renegado social".

Cárcere brasileiro

Gabriel anuncia que o tema de sua próxima peça, que pretende estrear em 1999, será a situação carcerária no Brasil. Tal espetáculo encerrará o que ele chama de "Tetralogia da Retropresença", que começou em 1996 com "O Nervo da Flor de Aço", inspirado no golpe militar de 1964 e que enveredou para uma auto-afirmação homossexual.
No ano passado, a tetralogia prosseguiu com "O Anti-Homem", que toma "O Lago dos Cisnes" como referência para contrariar códigos do balé clássico. Agora, em "Um Solo com a Sombra", Gabriel se volta para a desapropriação de terras no Brasil, mais uma vez buscando novas possibilidades cênicas.
Uma delas é a dublagem da própria voz, utilizada para simular um diálogo consigo mesmo e criar a idéia de um superego. "Ao dublar minha voz tento causar um estranhamento no ritmo normal da fala", diz.
Desde 1987, quando fundou em Belo Horizonte a Companhia de Dança Burra, que hoje se reduz somente a ele, Gabriel vem trilhando um experimentalismo que procura inverter regras da encenação.
Nesse processo, tem obtido resultados coreográficos estimulantes com suas tentativas de fundir e subverter técnicas de dança clássica, moderna e pós-moderna.
Promovendo um intercâmbio de expressões, Gabriel dança, canta e interpreta. Em amadurecimento, o laboratório de idéias de Gabriel emite lampejos renovadores que, espera-se, correspondam à sua pretensão de ser um artista realmente transformador.


Espetáculo: Um Solo com a Sombra
Com: Marcelo Gabriel
Quando: hoje e amanhã, às 21h30
Onde: estúdio Nova Dança (r. Treze de Maio, 240; tel. 011/259-7580)
Quanto: R$ 5



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