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É TUDO VERDADE
Cineasta retoma em "Impressões Debaixo d'Água" obsessão que serviu à massificação do racismo de Hitler
Alemã Leni Riefenstahl esvazia formas de significado
Associated Press
![](../images/ac0804200302.jpg) |
A cineasta alemã Leni Riefenstahl, que retorna à direção no documentário "Impressões Debaixo d'Água", em cartaz no MIS hoje |
CÁSSIO STARLING CARLOS
EDITOR DO FOLHATEEN
"Leni Riefenstahl - A Deusa
Imperfeita" designava
com exatidão um ótimo documentário biográfico sobre a diretora alemã célebre por ter forjado
o imaginário nazista pelo cinema.
Em "O Triunfo da Vontade"
(1934) e em "Olímpia" (1938),
Riefenstahl levou ao ápice sua
paixão pelas formas perfeitas e
ajudou Hitler e seus comparsas a
massificar o racismo ariano. Por
isso, foi condenada a um ostracismo artístico, que ela só superou
tardiamente, com um trabalho de
fotógrafa de tribos africanas.
"Impressões Debaixo d'Água"
marca o retorno de Riefenstahl, já
centenária, à direção. Feito em vídeo, o documentário capta a vida
submarina em recifes tropicais.
Nada parecido porém com o que
se vê no "Globo Repórter" e outros tantos programas de TV sobre a vida animal.
Como a diretora esclarece na
abertura, sua intenção não é informativa muito menos científica.
O que ela quis foi apenas levar o
olhar aonde a maioria dos humanos não chega. Literalmente, o
que o título do documentário
vende.
O que ela mostra é uma profusão de formas, inéditas e estranhas, que revela menos sobre a
natureza e mais sobre a paixão da
cineasta pela idéia de perfeição.
Ao longo de 42 minutos, sucedem-se imagens de uma variedade extrema, que Riefenstahl filma
como se fossem únicas. Em vez de
documental, a visão que se oferece é sensorial, quase pictórica. Os
corpos submarinos diluem-se em
cores, em movimentos, num sonho imaginado pelos pintores impressionistas e que Riefenstahl
completa em seus mergulhos.
Com essa visão, ganha outros
contornos toda a polêmica da colaboração nazista da cineasta alemã. Nos seus filmes célebres, inequivocamente elaborados como
peças de propaganda do nazismo,
o princípio era o mesmo: uma obsessão pelas formas (dos regimentos militares, dos corpos atléticos) que encantava aos olhos,
mas que não se considerava como
peça essencial no xadrez político.
Riefenstahl ainda preserva a
mesma obsessão pelas formas,
mas insiste em destitui-las de todo significado (biológico, orgânico, ecológico). O que sobra? Uma
espécie de sensorialismo, uma
psicodelia sem intenção, sobrecarregada pelo kitsch da trilha sonora criada por Giorgio Moroder.
E o que mais isso revela? Que
Riefenstahl é, sem dúvida, uma
artista talentosíssima, que acredita em uma arte pura, na pura forma, sem conteúdo, sem "significados", em resumo, na "beleza".
Se, em relação ao mundo submarino, essa crença não oferece
grandes riscos, são bem conhecidos os perigos dessa paixão quando ela se encanta pela "pureza da
raça", a "superioridade dos corpos" e outros demônios ainda
disfarçados de deuses.
Impressões Debaixo d'Água
Impressionen unter Wasser
Produção: Alemanha, 2002
Direção: Leni Riefenstahl
Quando: hoje, às 16h, e dia 10, às 18h,
no MIS (av. Europa, 158, tel. 3062-9197)
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