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São Paulo, terça-feira, 08 de abril de 2003

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É TUDO VERDADE

Cineasta retoma em "Impressões Debaixo d'Água" obsessão que serviu à massificação do racismo de Hitler

Alemã Leni Riefenstahl esvazia formas de significado

Associated Press
A cineasta alemã Leni Riefenstahl, que retorna à direção no documentário "Impressões Debaixo d'Água", em cartaz no MIS hoje


CÁSSIO STARLING CARLOS
EDITOR DO FOLHATEEN

"Leni Riefenstahl - A Deusa Imperfeita" designava com exatidão um ótimo documentário biográfico sobre a diretora alemã célebre por ter forjado o imaginário nazista pelo cinema.
Em "O Triunfo da Vontade" (1934) e em "Olímpia" (1938), Riefenstahl levou ao ápice sua paixão pelas formas perfeitas e ajudou Hitler e seus comparsas a massificar o racismo ariano. Por isso, foi condenada a um ostracismo artístico, que ela só superou tardiamente, com um trabalho de fotógrafa de tribos africanas.
"Impressões Debaixo d'Água" marca o retorno de Riefenstahl, já centenária, à direção. Feito em vídeo, o documentário capta a vida submarina em recifes tropicais. Nada parecido porém com o que se vê no "Globo Repórter" e outros tantos programas de TV sobre a vida animal.
Como a diretora esclarece na abertura, sua intenção não é informativa muito menos científica. O que ela quis foi apenas levar o olhar aonde a maioria dos humanos não chega. Literalmente, o que o título do documentário vende.
O que ela mostra é uma profusão de formas, inéditas e estranhas, que revela menos sobre a natureza e mais sobre a paixão da cineasta pela idéia de perfeição.
Ao longo de 42 minutos, sucedem-se imagens de uma variedade extrema, que Riefenstahl filma como se fossem únicas. Em vez de documental, a visão que se oferece é sensorial, quase pictórica. Os corpos submarinos diluem-se em cores, em movimentos, num sonho imaginado pelos pintores impressionistas e que Riefenstahl completa em seus mergulhos.
Com essa visão, ganha outros contornos toda a polêmica da colaboração nazista da cineasta alemã. Nos seus filmes célebres, inequivocamente elaborados como peças de propaganda do nazismo, o princípio era o mesmo: uma obsessão pelas formas (dos regimentos militares, dos corpos atléticos) que encantava aos olhos, mas que não se considerava como peça essencial no xadrez político.
Riefenstahl ainda preserva a mesma obsessão pelas formas, mas insiste em destitui-las de todo significado (biológico, orgânico, ecológico). O que sobra? Uma espécie de sensorialismo, uma psicodelia sem intenção, sobrecarregada pelo kitsch da trilha sonora criada por Giorgio Moroder.
E o que mais isso revela? Que Riefenstahl é, sem dúvida, uma artista talentosíssima, que acredita em uma arte pura, na pura forma, sem conteúdo, sem "significados", em resumo, na "beleza".
Se, em relação ao mundo submarino, essa crença não oferece grandes riscos, são bem conhecidos os perigos dessa paixão quando ela se encanta pela "pureza da raça", a "superioridade dos corpos" e outros demônios ainda disfarçados de deuses.


Impressões Debaixo d'Água
Impressionen unter Wasser
   
Produção: Alemanha, 2002
Direção: Leni Riefenstahl
Quando: hoje, às 16h, e dia 10, às 18h, no MIS (av. Europa, 158, tel. 3062-9197)



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