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São Paulo, sábado, 09 de agosto de 2003

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TEATRO

Bonecos, máscaras e música integram espetáculo baseado em obra de Sófocles e adaptado para um galpão-instalação

Pia Fraus mira tragédia cênico-visual

Thelma Lunardi/Divulgação
Beto Lima (à frente) e Beto Andretta


VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Prestes a completar 20 anos, em 2004, o grupo Pia Fraus tem o privilégio de captar na própria memória as fontes de pesquisa das linguagens cênica e visual.
Essa prospecção sustenta o novo espetáculo do grupo, "Olhos Vermelhos - Um Tributo a Antígona", resgate da "arqueologia" construída ao longo dos anos, simbiose de teatro, dança, bonecos, máscaras, circo, música e artes plásticas.
Quem assistiu a montagens como "Flor de Obsessão" (1996) e "Frankenstein" (2000) vai encontrar aqui uma experiência ainda mais radical no cruzamento dos atores com seres artificiais que ganham vida em cena.
"Olhos Vermelhos" é a encenação da tragédia grega de Sófocles (495 a.C.-406 a.C.) com a marca Pia Fraus, ou seja, ênfase na movimentação, nas imagens e na sonoridade, desta vez preservando também a palavra em diálogos de maior tensão dramática.
Antígona é filha de Édipo e Jocasta. Nasceu de uma relação de incesto (o destino tornou o rei marido da própria mãe e assassino do pai, sem que soubesse de um ou de outro). A heroína enfrenta o decreto do rei de Tebas, Creonte, que proíbe o sepultamento do seu irmão, Polinices, morto em combate com outro irmão, Etéocles, defensor da pátria.
Antígona insiste em lhe dar um ritual digno e é condenada a ser enterrada viva sob pedras. Essa tragédia é adaptada para um galpão, transformado numa instalação cênico-sonora-visual, como define o Pia Fraus. A relação com o público é mais intimista (50 espectadores sentados em pufes), dispostos num "corredor".
Antígona, Creonte e demais surgem como bonecos. São cabeça e tronco. A extensão de seus corpos, às vezes na proporção humana, é completada pelos atores-manipuladores. A textura decorre de material orgânico, como papel, junco e látex. Idem para as máscaras que representam o coro.
"Uma das questões da tragédia é a incapacidade de Creonte em recuar. Ele percebe tarde o seu erro. Há pessoas que não percebem o erro e então são supostamente mascaradas e até podem ser felizes sob uma ótica absurda, mas, quando encostam no espelho, não retrocedem", diz a diretora Ione Medeiros, 60, de Belo Horizonte, convidada pelo grupo.
Lá, Medeiros, que tem formação em música e literatura e começou a fazer teatro aos 42 anos, dirige o grupo Officina Multimédia, também afinado com a pesquisa de linguagem não-verbal.
Os atores Beto Lima, 46, de quem partiu a idéia do projeto, e Beto Andretta, 41, fundadores do Pia Fraus, destacam a coragem da mulher que enfrentou forças poderosas sem usar a violência.
Mais do que a perspectiva bélica da tragédia (claro, há cadáveres e corpos dilacerados pelo espaço cênico), bastante atual para os dias que correm (mote da "Antígona" que o grupo Satyros apresenta em seu espaço), o Pia Fraus quer se comunicar "com o espírito do espectador, menos que com o intelecto", como diz Lima.
Num primeiro momento, o grupo pensou no subtítulo: "Homenagem aos Mortos sem Sepultura", uma citação à violência nas grandes cidades. Medeiros lembra a importância ancestral de enterrar os cadáveres, de cumprir o luto, ritual atropelado na maioria das sociedades contemporâneas. O grupo foi contemplado pelo Programa Municipal de Fomento ao Teatro em São Paulo.

OLHOS VERMELHOS - UM TRIBUTO A ANTÍGONA - Criação do grupo Pia Fraus a partir do texto de Sófocles. Direção: Ione Medeiros. Música: Ricardo Iazeeta e Mano Bap. Com: Beto Lima, Beto Andretta e Isabela Graeff. Onde: Funarte -0sala Mário Schenberg (al. Nothman, 1.058, Campos Elíseos, tel. 3662-5177). Quando: estréia hoje, às 21h; qua. a sáb., às 21h; e dom., às 20h. Quanto: R$ 15.


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