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DANÇA
Vera Sala transita pelos limites da forma humana e se alia à vertigem para confrontar o espectador em solo no CCBB
Espetáculo reinventa a ordenação do corpo
INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA
FELIPE CHAIMOVICH
CRÍTICO DA FOLHA
Até que ponto um corpo pode
se desestruturar? Pode perder o
próprio centro? Num andaime
com paredes de vidro na frente e
abertura nas laterais, posto contra
uma grande foto (de Nadezhda
Mendes da Rocha) ao fundo
-imagem de células ou pequenos organismos proliferantes-,
Vera Sala dança o solo "Corpo
Instalação". Integrando o evento
"Ordenação e Vertigem", no
CCBB, ela fica em cartaz até o final
de setembro.
"Cada louco é guiado por um
cadáver", dizia o esquizofrênico
artista plástico Arthur Bispo do
Rosário (1911-1989), cuja obra
serve de tema para o evento no
CCBB. Nesse espírito, as articulações ósseas de Sala ganham novas
maneiras de se relacionar.
Por exemplo: a mão não pega. É
anulada, e em seu lugar o pulso
quebrado serve de apoio e dá nova forma ao corpo, que, em vão,
tenta se manter em pé.
Nos olhos vitrificados de Vera
Sala percebe-se um mundo a ponto de transbordar, mas controlado pelos limites corporais e por
um aquário gigantesco.
A ação acontece em três níveis
cenográficos. Começa com um
deslizamento entre o chão e o piso
superior: Sala arrasta-se entre tules, arames e restos de tecidos que
se fazem de saia, observada pelo
espectador de cima para baixo.
No meio, anda sobre passarela estreita, em que os gestos da artista
dependem da estrutura construída para apoio ou limite. Acaba no
terceiro andar, com ela pesando
contra o teto transparente, vista
de baixo pelo público, que caminha pelo corredor mediano.
Em cada altura, a mesma imagem: um corpo colado ao vidro.
Em cada região, um novo repertório fechado de figuras e gesto.
A performance tem um fluxo
ascendente, seja nos planos, seja
no movimento: parte da imobilidade e volta a ela. Assim como
também parece transitar entre o
orgânico e o inorgânico. Movimentos angulosos, disformes,
convulsivos ganham amplitude
no pulsar da respiração.
Os planos do cenário, de Pedro
Mendes da Rocha, constituem
uma primeira relação do inerte
com a organicidade. São ainda
mecânicos, claro, canos articulados por dobradiças. Se permitem
uma relação mais viva com o observador, é porque oferecem possibilidades de ida e volta caminhando através do trabalho.
A estrutura artificial torna-se
complemento do corpo. Ao se
juntarem, as linhas produzem um
plano; este, ao se torcer, produz
um volume, que, ao bater contra
as lâminas de vidro, cria as condições para o desdobramento. O
corpo se deixa entrever nas suas
opacidades -o corpo em convulsão, que não se sustenta e por vezes não se reconhece.
O som que acompanha a performance talvez não seja mais que
uma sequência de "urros e guinchos", como disse um espectador;
mas sugere bem mais do que isso:
é como a nova língua de um organismo que precisa inventar seus
próprios termos no estranho
meio em que está. Invenção e recuo, avanço e descanso: uma espécie de morte acompanha, a cada passo, a precariedade da vida.
Depois, pelas frestas do nosso
corpo, confrontado ao dela, sente-se a instabilidade de um organismo apoiado na solidez ao redor. A "ordenação" existe, mas é
precária. Sala dança as vertigens.
Vera Sala
Quando: qui., às 12h30; sáb., às 14h (até
27/9); e dia 7/9, às 17h
Onde: Centro Cultural Banco do Brasil (r.
Álvares Penteado, 112, região central,
tel. 3113-3651) Quanto: entrada franca
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