São Paulo, segunda-feira, 10 de setembro de 2001

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MÚSICA
Roda reúne jovens talentos para tocar e falar de política; ingresso custa R$ 1 e ajuda a divulgar os participantes

Samba da Vela mostra novos compositores

MARCOS DÁVILA
FREE-LANCE PARA A FOLHA

"Um bom samba é uma forma de oração." O verso de "Samba da Bênção", de Vinicius de Moraes e Baden Powell, resume bem o espírito do Samba da Vela, uma roda que acontece toda segunda, religiosamente às 20h30, no bar Ziriguidum, em Santo Amaro.
"Um monte de gente em volta de uma mesa, com uma vela acesa no centro. Nas paredes, várias fotos de gente morta. Quem vem aqui pela primeira vez pensa: "Xi é macumba'", brinca o sambista Magno Souza, 26, entre uma música e outra. Ele é um dos fundadores do Samba da Vela, ao lado de seu irmão Maurílio de Oliveira, 22, e dos sambistas Chapinha, 41, e Paquera, 42.
A roda surgiu com o objetivo de apresentar sambas inéditos de compositores da nova geração. "A vela funciona como um relógio, antes a gente saía às três da manhã. Agora, quando a vela apaga (geralmente por volta das 23h30) o samba acaba", diz Chapinha, que é um dos sócios do bar.
Noel Rosa, Pixinguinha, Cartola, Nelson Cavaquinho são alguns dos "mortos das fotos" que, ao lado de outros vivos, como Paulinho da Viola, vigiam da parede o Samba da Vela. "Os quadros significam o respeito que a gente tem pelos grandes mestres", explica Magno. A impressão que se tem é de estar em uma quadra de ensaio de escola de samba, tamanho despojamento do lugar, um grande galpão com um barzinho ao fundo, onde são servidas as bebidas. Sobre o balcão, lê-se: "Aqui o Silêncio é uma Prece".
O que começou como uma reunião de amigos, com o tempo, tomou outra proporção. No aniversário do evento (dia 16 de julho deste ano), que teve a participação especial da cantora Beth Carvalho, mais de mil pessoas lotaram o lugar. Segundo os fundadores, a sambista ajudou muito na popularização da roda, que recebe normalmente cerca de 200 pessoas por noite. "Ela é a madrinha do Samba da Vela", diz Magno.
"A conotação política da roda também é muito forte", diz Tiago Mendonça, 23, frequentador assíduo do local, que está produzindo um documentário sobre o projeto com o cineasta André Francioli, 27. "Resolvemos registrar esse movimento do samba político que está se estruturando", diz Mendonça. "No intervalo das músicas, são discutidos temas da comunidade."
Além de falar de amor, grande parte das letras são crônicas urbanas, falam da comunidade com muita ironia e crítica social, como em "Samba da Isabel" ("Coitada da Isabel foi assaltada/ segunda-feira de madrugada/Levaram os discos de samba que ela tinha/Ataulfo, Noel Rosa e Pixinguinha/ Seu ladrão devolva tudo por favor/que nós cantaremos ao vivo pro senhor"), de Vanderlei Mazzucatto; e "Fim da Orgia" ("Sem essa de barraco lá no morro/Não quero ser cozinheira/de forno e fogão, lavar e passar..."), de Pachequinho, sobre a situação da mulher na periferia.
As músicas são acompanhadas por três cavaquinhos, dois pandeiros, um repique de anel, dois tamborins, um reco-reco de madeira e um surdo. "Os instrumentos não são tão importantes, o que vale é o canto e as palmas", diz Magno, que toca no Quinteto em Branco e Preto com Maurílio.
É cobrado R$ 1 na entrada do bar para ajudar na publicação mensal de livretos com as letras dos sambas cantados na roda, distribuídos entre a comunidade. Quando o samba acaba, é servida uma macarronada ou uma sopa preparada pelo "chef" Oliveira.


SAMBA DA VELA - Quando: segundas, às 20h30. Onde: bar Ziriguidum (r. Antônio Bento, 257, Santo Amaro, tel. 5522-4169). Quanto: R$ 1 (com direito a macarronada ou sopa no final).



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