São Paulo, quarta-feira, 10 de novembro de 2004

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"HÉCUBA"

Esther Goés divide a direção com o filho, Ariel Borghi, e interpreta o papel principal em tragédia de Eurípides

Centralização de funções compromete peça

SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

Não é fácil encenar tragédia grega. Na raiz do teatro do Ocidente, mas ainda próxima do ritual, tem suas regras próprias para as quais as técnicas do realismo são de pouca ajuda. Assim, para as peças de Eurípides, a solução é ora "modernizar" o texto para revitalizar os seus conteúdos -e há vários espetáculos em cartaz em São Paulo que seguem a estratégia-, ora fazer da montagem um exercício técnico que leve os atores a declamarem e ostentarem hierarquicamente a dor sem perderem a solenidade nem a empatia no palco.
Foi o que escolheu Esther Góes para esta Hécuba, o que é totalmente adequado para uma montagem de conclusão de curso. Não se pode formar atores na inovação; é preciso antes que se interiorize as regras convencionais. Era isso que fazia o Teatro Brasileiro de Comédia 50 anos atrás, quando foi vencido o tabu de encenar tragédia no Brasil; é isso que se faz nos conservatórios dos grandes centros de cultura.
Com um mérito pedagógico inquestionável, a partir do momento em que o exercício se apresenta enquanto montagem comercial, é preciso que seja analisada sem paternalismo, em respeito pela seriedade da proposta. E nesse ponto, infelizmente, muitas ressalvas devem ser feitas.
Esther Goés é uma atriz com grandes recursos, à altura do papel de Hécuba. Seu belo timbre de voz vai do sussurro ao grito sem perder a emoção e tem uma leitura aprofundada dos objetivos da peça. Precisa, no entanto, de um diretor em quem confie, para canalizar sua grande energia.
Acumulando funções, centra em demasia o espetáculo em sua performance e, logo nos primeiros momentos, já vocifera e se lança no palco, contracenando pouco com seus parceiros-alunos. Seu filho, Ariel Borghi, na co-direção do espetáculo, não teve pulso para contê-la, e o espetáculo logo se torna excessivo.
A inexperiência do elenco se denuncia pela aplicação com que declamam, "mastigando" a bela tradução de Mário da Gama Kury, mas visivelmente intimidados pela tarefa. Essa tensão limita, por exemplo, a boa presença de Erika Altimeyer no papel de Polixena e, se o elenco feminino cumpre com elegância a partitura gestual do coro, o masculino deixa muito a desejar, chegando ao constrangedor, quando Polimestor é cegado.
A impressão de amadorismo é reforçada pelo cenário e figurino, que, a partir de poucos recursos, ganharia com um maior despojamento. A trilha sonora acrescenta ainda mais grandiloqüência ao clima, de modo redundante, que quase cai na paródia. Não ajuda em nada o estado de abandono da sala Gil Vicente do teatro Ruth Escobar, com numeração confusa e cheirando a mofo. Cheia de boas intenções, corajosa ao enfrentar duros desafios, esta montagem de "Hécuba", no entanto, acaba soando pretensiosa.


Hécuba
  
Texto: Eurípides
Direção: Esther Góes e Ariel Borghi
Com: Esther Góes, Fagner Pavan, Elder Fraga, Calil Jabur e outros
Onde: teatro Ruth Escobar - sala Gil Vicente (r. dos Ingleses, 209, Morro dos Ingleses, região central, tel. 3289-2358)
Quando: de qui. a sáb., às 21h, e dom., às 20h; até 28/11 Quanto: R$ 30 (R$ 10 nos postos da Apetesp, a partir de amanhã)



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