São Paulo, Domingo, 11 de Abril de 1999
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MÚSICA ERUDITA
Mesmo sem patrocínio, orquestras se apresentam de graça em locais alternativos e criam novas platéias
Independentes resistem sem estrutura

Divulgação
Orquestra Britten, que foi fundada em 1986 e tem 18 músicos


ENEDINA QUINELATO
especial para a Folha

A despeito de não estarem na mídia, não terem patrocínio, salário ou estrutura mínima necessária, jovens maestros e suas orquestras autônomas promovem a música erudita em São Paulo. Um desses grupos, o Quarteto Britten, se apresenta hoje no Teatro Arthur Azevedo, na Mooca (veja abaixo).
Os músicos de orquestras independentes desempenham funções que vão muito além do mundo das partituras. Suas principais dificuldades são a ausência de patrocinadores e de locais acusticamente adequados para ensaios.
A solução, apontam alguns desses regentes, seria a Prefeitura ceder o uso de salas pequenas nos horários em que estejam ociosas.
Apesar das dificuldades, os independentes cumprem extensos calendários de apresentações e quebram a cabeça para equilibrar as contas, cada um a seu modo.

"Pai-trocínio"
A Orquestra Filarmônica Infanto-Juvenil de São Paulo -que se apresenta em maio, no Museu do Ipiranga-, por exemplo, usa o chamado "pai-trocínio". Criada em 1993, tem 70 músicos de 10 a 16 anos, sob regência da violoncelista Gretchen Miller, 48, e é sustentada basicamente pelos pais das crianças, que pagam R$ 50 mensais.
O esquema já pagou o aluguel de vários locais de ensaios. Agora utilizam um espaço cedido pelo colégio Brasil-Europa, nos Jardins, em troca de concertos gratuitos para seus alunos.
A Filarmônica Infanto-Juvenil realiza uma média de dez concertos por ano, a maioria gratuitos.
O esquema de parceria -concertos em troca de local para ensaios- é muito utilizado por grupos autônomos. A Orquestra Filarmonia, por exemplo, usou, entre 1993 e 1998, um espaço cedido pela Funarte, onde gravou seu primeiro CD, lançado em 1997.
No início do ano, a Filarmonia se transferiu para o auditório da ACM (Associação Cristã de Moços), na unidade Centro.
Segundo o regente Paulo Maron, 38, os custos da orquestra são bancados com seu próprio dinheiro. Ele calcula ter gasto, em 1998, cerca de R$ 10 mil.
A ACM abriga também a Orquestra de Câmara Paulista (OCP), em Pinheiros, e, na Lapa, a Orquestra Britten.
A OCP, que tem concertos programados para junho, surgiu em 1995, na Universidade Livre de Música -da qual se desvinculou em junho de 1998- e tem regência do violinista José Antonio Branco Bernardes, 33; são dez instrumentistas de cordas e sopros, na faixa dos 25 anos. No segundo semestre de 98, fez 12 recitais gratuitos.
Outros 18 jovens formam a Orquestra Britten, nascida em 1986 para a prática dos alunos do violinista Nadilson Gama, 33. Juntaram-se ao grupo o violoncelista Nelson Gama, irmão de Nadilson, e seu filho, David Ricardo, 7, que estudava violino e queria praticar.
A família Gama usou o método do Guia Orquestral para Jovens, do compositor inglês Benjamin Britten (1913-1976).
A orquestra originou o Quarteto de Cordas Britten, também acolhido pela ACM Lapa, formado pelos Gama e Alceu Camilo Jr., 36, que toca viola e, durante bom tempo, emprestou o salão de sua loja para os ensaios.
Os dois grupos desenvolvem projetos próprios. A orquestra leva música aos escritórios com o seu "Concerto Empresarial". O quarteto, por sua vez, faz o "Música nas Escolas", que tem como meta suprir a falta das aulas de música nas escolas públicas de primeiro grau, antigamente obrigatórias.
Segundo Nelson Gama, para manter esse projeto o grupo precisa de um patrocinador.
Um dos grupos autônomos mais antigos de São Paulo é o da Sociedade Pró-Música Sacra que, como diz o nome, dedica-se exclusivamente ao repertório sacro nacional e estrangeiro -mas não tem vínculos com a Igreja Católica.
O coral, formado por 40 pessoas entre 25 e 70 anos, foi criado em 1970 por Luiz Roberto Borges, morto no início dos anos 90.
Em 1995, o organista Edson Leite, 36, assumiu a direção e logo quis montar uma orquestra para acompanhar o coral. Com a colaboração da violinista e professora Teresa Schnorrenberg, reuniu 23 músicos de cordas.
Prestes a comemorar 30 anos de atividades, a Sociedade Pró-Música Sacra está aberta a novos cantores e também a instrumentistas de todos os naipes.
Como todas as outras orquestras autônomas, esse grupo já mambembou por vários locais de ensaio. No momento, utiliza um amplo salão da Igreja Fellowship (presbiteriana), na região da av. Paulista, pagando uma taxa simbólica. Mas o grupo diz precisar urgentemente de uma sede própria para abrigar seu arquivo de partituras, hoje espalhado pelas casas de integrantes.
O grupo fez, no ano passado, só na catedral da Sé, mais de 80 concertos.
O dinheiro para as despesas vem da contribuição dos integrantes (R$ 10 por mês), de doações e de alguns concertos com cachê.
No ano passado a sociedade teve uma despesa de aproximadamente R$ 16 mil -R$ 2.200 somente em fotocópias de partituras.
"Só o "Aleluia", de Haendel, que emociona todos que ouvem, tem 15 páginas. Entre orquestra e coral, somos quase 60. Imagine fazer cópia disso para cada um", comenta o maestro. Como se pode ver, o pão do espírito também custa caro.


Concerto: Quarteto Britten
Onde: teatro Arthur Azevedo (av. Paes de Barros, 955, Mooca, tel. 292-8007)
Quando: hoje, às 11h
Quanto: entrada franca




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