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"AS NUVENS ..."
Grupo conjuga na montagem duas comédias do escritor grego para tratar de questões contemporâneas
Aristófanes expõe essência dos Parlapatões
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
Sempre houve algo de Aristófanes nos Parlapatões. Um
enredo próximo da fábula, que
serve como base para a sátira
aberta, politicamente incorreta
como toda boa política em teatro,
foi o que destacou o grupo desde
"Sardanapalo", de 1993, hoje em
sua oitava versão.
O ponto de partida literário, seja
ele Shakespeare, Rabelais ou a vida de Alexandre o Grande, alcança uma alta eficiência no contexto
do circo e da chanchada. Nessa
curiosa síntese de pesquisa erudita com o escracho mais popular
está a principal marca parlapatônica. Ser fiel a Aristófanes (448-385 a.C.) é fazer com seu texto o
mesmo que ele fazia com a mitologia: transformá-lo em pretexto
para o sarcasmo contra as decadentes mistificações de nosso
próprio tempo.
Hugo Possolo é hábil nessa
transposição em "As Nuvens e/ou
um Deu$ Chamado Dinheiro",
onde conjuga dois textos de Aristófanes, "Um Deus Chamado Pluto" e "As Nuvens": o ataque original contra a filosofia de Sócrates,
tema de "As Nuvens", é inteiramente aplicável à mentalidade
"motivacionista" que busca levar
ingênuos "empreendedores" a fazer amigos e influenciar pessoas.
Essa idéia fixa de ser um "vencedor" é tratada com a irreverência
devida, sobretudo quando as nuvens remetem às estrelas instantâneas da televisão: desautorização
pública igual a essa pode ser contada nos dedinhos.
Do "Um Deus Chamado Pluto"
é tirado o ataque ao culto principal da nossa época: ao Deus Dólar, que vem descendo até nós, e o
Deus Juros, que haverá de fazer o
mesmo.
Como toda noção de felicidade
e auto-realização parece depender disso, é urgente a libertação
pelo riso promovida pelos Parlapatões, que sugerem outros usos
para o dólar na catártica cena final
da montagem.
Explicações
Curiosamente, quando o texto
se cobra a não ser um simples pretexto e força uma narrativa, perde
sua eficácia. A combinação das
duas trajetórias dos personagens
Estrepado, do "Um Deus Chamado Pluto", e de Crédulo, de "As
Nuvens", o que já é uma complicação do que era eficientemente
simples, é interrompida por constantes explicações ao público, para que esse não perca o fio.
Não seria preciso: o público
vem não pela história, mas pelo
que sabe que os Parlapatões farão
com ela. Hugo Possolo põe esse
público no bolso só com o timbre
de sua voz, Raul Barreto tem pleno domínio de seu tipo, entre canastrão de filme B e Harpo Marx.
Sente-se a ausência do terceiro
Parlapatão, mas são muito bem
vindos os reforços de três outros:
além de Claudinei Brandão e
Henrique Stroeter, Eduardo Silva,
que está para Grande Otelo o que
Robinho está para Pelé.
No prumo de Aristófanes, os
Parlapatões cumprem plenamente seu papel, mas deixam transparecer também seus limites: como
nas reprises tradicionais do Circo,
reatualizam as mesmas fórmulas
eficazes. Não decepcionam nunca, mas também não surpreendem.
As Nuvens e/ou um Deu$
chamado Dinheiro ![](http://www.uol.com.br/fsp/images/ep.gif)
Com: Parlapatões
Onde: teatro Ruth Escobar - sala Gil
Vicente (r. dos Ingleses, 209, Bela Vista,
tel.: 289-2358)
Quando: de qui. a sáb., às 21h; dom., às
19h
Quanto: R$ 5 (preço único até 15/6); até
27/7
Patrocinador: BrasilTelecom
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