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MÚSICA ERUDITA
Roberto Minczuk rege a Osesp e convidados interpretando partituras sinfônicas do compositor
O melhor Brasil que existe na música de Tom
Ana Ottoni/Folha Imagem
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O compositor Tom Jobim, morto em 94, que tem suas canções tocadas por músicos e convidados da Osesp hoje, na Sala São Paulo |
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Dois acordes bastam para
criar um mundo. Ou até menos que isso (o primeiro acorde
de "Águas de Março", sozinho). A
vida abre uma brecha e a gente
passa para um lado de lá, mais bonito e generoso, mais humano,
mais seguro e sensível em seus
afetos. Mais Brasil, também: o
melhor Brasil que existe, a música
de Antonio Carlos Jobim (1927-94), que, incrivelmente, não se conhece toda ainda. E terá de ser
reavaliada de novo depois desse
"Jobim Sinfônico", que estreou
segunda-feira na Sala São Paulo.
Foram 7.000 acordes explodindo em 7.000 amores, nas versões
orquestrais de canções como
"Modinha" e "A Felicidade" e nas
partituras originais para orquestra, como as suítes de "Orfeu da
Conceição" (1956) e da "Sinfonia
da Alvorada" (1961). Obras-primas como "A Casa Assassinada"
(1973) tiveram sua primeira interpretação ao vivo no Brasil, oito
anos e um dia após a morte de
Tom. Primeira e em grande estilo,
com 70 músicos da Osesp regidos
por Roberto Minczuk.
Para pôr as coisas em perspectiva: foi em 2000 que saiu o monumental "Cancioneiro Jobim", em
seis volumes, editados por Paulo
Jobim (que divide a direção do
"Jobim Sinfônico" com Mario
Adnet). E talvez não se tenha dado a devida importância a esses livros. Ficam lado a lado com Villa-Lobos e Camargo Guarnieri; na
mesma estante com Drummond,
Cabral e Guimarães Rosa, mais
Glauber Rocha e Niemeyer, entre
outros, compondo o cânone da
nossa cultura moderna.
O projeto "Jobim Sinfônico"
(que vai virar CD e DVD) é um
desdobramento e ampliação do
"Cancioneiro". Só uma peça como "Matita Perê" -façanha mineira de Tom em parceria com
Paulo César Pinheiro, seu "Pequeno Sertão: Veredas", viajando
pelas tonalidades, semitom a semitom, até chegar à que ficou de
fora, "lá, no todo fim é bom"- já
recompensa todo o esforço de
produção. E mesmo em noite nervosa, esquecendo a letra, Milton
Nascimento tem a voz dessa música, guardada na música da voz.
Foi uma noite meio nervosa para todos, o que não é de espantar.
O cenário amedronta, e o palco,
lotado de músicos e microfones,
com pouco espaço para se mover,
não favorece o conforto natural
de quem vai tocar "Meu Amigo
Radamés" (com pequeno belo solo de Proveta) ou "Imagina" (primeira composição de Tom, uma
valsa cromática de 1947, ouvida
aqui num grande arranjo de Mario Adnet). Deslizes e durezas no
piano (Marcos Nimrichter) e nas
vozes (seja nos solos de Muiza e
Maucha Adnet, seja nos vocais do
quarteto), típicos de estréia, devem melhorar.
Lindas flautas -duas da Osesp,
mais Léa Freire, Teco Cardoso e
Paulo Guimarães-, um jardim
de juncos no meio da orquestra.
Dá para imaginar o prazer do pianista Benjamin Taubkin, no "Jardim Abandonado", embalado nas
quiálteras, com os acordes do
quinteto por trás, no arranjo clássico de Claus Ogerman. Depois, o
tema rasga-coração que retorna,
confessadamente um dos motivos que levaram o menino Taubkin a querer ser músico.
Falando em retorno de temas:
uma das lições musicológicas do
projeto é mostrar a evolução do
tema nordestino que se conhece
do final de "Gabriela" (1987), desde a inédita "Lenda" (1954) e passando pela "Chegada dos Candangos" da "Sinfonia da Alvorada" (1961).
Mas o grande retorno, mesmo, é
o de Antonio Carlos Jobim, voltando assim ao Brasil do Brasil, lá
dentro do melhor de nós, onde a
gente se confunde com música, e
a música explica e compensa tudo
na vida.
Jobim Sinfônico
Onde: Sala São Paulo (pça. Júlio Prestes,
s/nš, região central, tel. 3337-5414)
Quando: hoje, às 21h
Quanto: de R$ 12 a R$ 36 (os ingressos já
estão esgotados)
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