São Paulo, quarta-feira, 11 de dezembro de 2002

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MÚSICA ERUDITA

Roberto Minczuk rege a Osesp e convidados interpretando partituras sinfônicas do compositor

O melhor Brasil que existe na música de Tom

Ana Ottoni/Folha Imagem
O compositor Tom Jobim, morto em 94, que tem suas canções tocadas por músicos e convidados da Osesp hoje, na Sala São Paulo


ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

Dois acordes bastam para criar um mundo. Ou até menos que isso (o primeiro acorde de "Águas de Março", sozinho). A vida abre uma brecha e a gente passa para um lado de lá, mais bonito e generoso, mais humano, mais seguro e sensível em seus afetos. Mais Brasil, também: o melhor Brasil que existe, a música de Antonio Carlos Jobim (1927-94), que, incrivelmente, não se conhece toda ainda. E terá de ser reavaliada de novo depois desse "Jobim Sinfônico", que estreou segunda-feira na Sala São Paulo.
Foram 7.000 acordes explodindo em 7.000 amores, nas versões orquestrais de canções como "Modinha" e "A Felicidade" e nas partituras originais para orquestra, como as suítes de "Orfeu da Conceição" (1956) e da "Sinfonia da Alvorada" (1961). Obras-primas como "A Casa Assassinada" (1973) tiveram sua primeira interpretação ao vivo no Brasil, oito anos e um dia após a morte de Tom. Primeira e em grande estilo, com 70 músicos da Osesp regidos por Roberto Minczuk.
Para pôr as coisas em perspectiva: foi em 2000 que saiu o monumental "Cancioneiro Jobim", em seis volumes, editados por Paulo Jobim (que divide a direção do "Jobim Sinfônico" com Mario Adnet). E talvez não se tenha dado a devida importância a esses livros. Ficam lado a lado com Villa-Lobos e Camargo Guarnieri; na mesma estante com Drummond, Cabral e Guimarães Rosa, mais Glauber Rocha e Niemeyer, entre outros, compondo o cânone da nossa cultura moderna.
O projeto "Jobim Sinfônico" (que vai virar CD e DVD) é um desdobramento e ampliação do "Cancioneiro". Só uma peça como "Matita Perê" -façanha mineira de Tom em parceria com Paulo César Pinheiro, seu "Pequeno Sertão: Veredas", viajando pelas tonalidades, semitom a semitom, até chegar à que ficou de fora, "lá, no todo fim é bom"- já recompensa todo o esforço de produção. E mesmo em noite nervosa, esquecendo a letra, Milton Nascimento tem a voz dessa música, guardada na música da voz.
Foi uma noite meio nervosa para todos, o que não é de espantar. O cenário amedronta, e o palco, lotado de músicos e microfones, com pouco espaço para se mover, não favorece o conforto natural de quem vai tocar "Meu Amigo Radamés" (com pequeno belo solo de Proveta) ou "Imagina" (primeira composição de Tom, uma valsa cromática de 1947, ouvida aqui num grande arranjo de Mario Adnet). Deslizes e durezas no piano (Marcos Nimrichter) e nas vozes (seja nos solos de Muiza e Maucha Adnet, seja nos vocais do quarteto), típicos de estréia, devem melhorar.
Lindas flautas -duas da Osesp, mais Léa Freire, Teco Cardoso e Paulo Guimarães-, um jardim de juncos no meio da orquestra. Dá para imaginar o prazer do pianista Benjamin Taubkin, no "Jardim Abandonado", embalado nas quiálteras, com os acordes do quinteto por trás, no arranjo clássico de Claus Ogerman. Depois, o tema rasga-coração que retorna, confessadamente um dos motivos que levaram o menino Taubkin a querer ser músico.
Falando em retorno de temas: uma das lições musicológicas do projeto é mostrar a evolução do tema nordestino que se conhece do final de "Gabriela" (1987), desde a inédita "Lenda" (1954) e passando pela "Chegada dos Candangos" da "Sinfonia da Alvorada" (1961).
Mas o grande retorno, mesmo, é o de Antonio Carlos Jobim, voltando assim ao Brasil do Brasil, lá dentro do melhor de nós, onde a gente se confunde com música, e a música explica e compensa tudo na vida.

Jobim Sinfônico



   
Onde: Sala São Paulo (pça. Júlio Prestes, s/nš, região central, tel. 3337-5414)
Quando: hoje, às 21h
Quanto: de R$ 12 a R$ 36 (os ingressos já estão esgotados)



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