RUI NOGUEIRA
Secretário de Redação da Sucursal de Brasília

"Outro País", de Sérgio Trefaut, não é um documentário original e fica aquém do romantismo da Revolução dos Cravos, das fantasias verbais e imagens inebriantes que proporcionou, principalmente nos chamados "anos quentes", de abril de 1974 a novembro de 1975.
É formal na montagem, quase quadrado -depoimentos, corta para imagens da época, mistura com imagens de hoje, o encontro e o reencontro dos personagens.
Nos dois primeiros anos da Revolução dos Cravos, que pôs fim aos 48 anos de salazarismo, um regime anacrônico e fascista (1926-1974), centenas de caçadores de imagens desembarcaram em Portugal. Viveu-se uma tensão próxima de Petrogrado (1917) e os sovietes.
Trefaut fez "Outro País" a partir da recuperação das muitas imagens, quase esquecidas, nos arquivos da legião de fotógrafos e cinegrafistas estrangeiros.
Em meio ao formalismo da linguagem do documentário, dois achados -um deles personificado por ninguém menos que um apoplético Glauber Rocha.
Numa sequência de imagens fantásticas e poéticas, um grupo de agricultores do Alentejo, região-palco da mais solidária e coletivista reforma agrária já experimentada na história das revoluções, invade a casa de um latifundiário com título nobiliárquico e pára no quarto para saquear o guarda-roupa.
Anticlericais na raiz, como sempre foi a maioria republicana portuguesa, os camponeses acham nas gavetas de uma cômoda os paramentos das celebrações católicas. Não resistem: escolhem um trabalhador para (tra)vesti-lo de padre. Não é uma gozação, é o gozo da liberdade.
Glauber Rocha entrevista populares nas ruas de Lisboa, pergunta sobre a crença que cada um deposita na revolução. É uma metralhadora giratória a disparar perguntas à queima-roupa.
Os sonhos começam e terminam com os depoimentos do casal Sebastião Salgado.
E "Outro País", pela voz e memória dos entrevistados, concluiu: se não terminou em pesadelo, Portugal terminou no lugar-comum. Outros já haviam chegado à mesma conclusão.

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