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TEATRO/CRÍTICA
Com a atualidade da denúncia, peça de Plínio Marcos, dirigida por Roberto Bomtempo, mostra caráter atemporal
Montagem ressalta a importância de "Barrela"
Divulgação
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Da esq. à dir., os atores Flávio Bauraqui, Jorge Neves e Silvio Guindane em cena de "Barrela" |
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
Peça-símbolo da luta contra
a censura militar, "Barrela"
foi escrita por Plínio Marcos aos
23 anos de modo quase instintivo,
por reação à uma notícia de jornal, e representada só 20 anos depois, em 1979, ainda na clandestinidade, pelo mítico grupo O Bando. Sofrendo "mais que porco-espinho na hora do parto", com o
endosso de Pagu e Cacilda Becker,
Plínio se consagrou como dramaturgo-repórter.
Na atual revisão de sua obra,
nessa temporada em que faria 70
anos, fica claro porém que reduzi-la à denúncia equivale a reduzir
Nelson Rodrigues ao erotismo.
"Barrela" não é uma alegoria datada nem uma mera reprodução
do real: é uma peça de grande
profundidade psicológica e social,
atemporal porque escapa ao maniqueísmo.
Mantendo uma unidade estrita
de tempo, espaço e tema, é uma
peça para atores, que lucra quando dirigida por um ator, como é o
caso desta produção. Roberto
Bomtempo sabe manter o pulso
acelerado dessa noite de solidão
na cadeia sem atropelar as pausas
sombrias, as histerias bruscas, as
hesitações. Embora crie com a trilha "climas" redundantes, tira
bom partido do cenário de Vera
Hamburguer, móvel como uma
câmera de cinema, e a luz expressionista de Fernando Albano, que
dinamiza o beco sem saída, o círculo vicioso.
Girando em falso na jaula, os
atores têm grande carisma, sem
perder a delicadeza. Antônio Petrin, veterano dessa cela, companheiro de Plínio dos tempos
maus, tem o peso necessário para
fazer Portuga, expondo sua vulnerabilidade. Flávio Bauraqui, como Bahia, sabe contagiar a platéia
com seu humor cruel, atiçando o
pior machismo, que logo é confrontado pela dignidade na dor de
Tirica, o que foi estuprado no reformatório e que agora tem que
provar virilidade, estuprando por
sua vez. Para esse papel difícil, que
pede no final uma mistura de gargalhada e choro, Silvio Guindane
é inesquecível.
Entre o melodrama e o deboche,
a fábula engajada e o relatório antropológico, merecendo releituras cada vez mais aprofundadas,
"Barrela" é uma peça que não envelhecerá nunca. Mesmo se perder sua urgente atualidade de denúncia.
Barrela
Quando: sex. e sáb., às 21h30, dom., às
20h30; até 14/8
Onde: Fábrica São Paulo (r. da
Consolação, 1.623, Consolação, tel.
3255-5922)
Quanto: R$ 20 (sex.); R$ 30 (sáb. e dom.)
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