São Paulo, sábado, 13 de agosto de 2005

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TEATRO/CRÍTICA

Com a atualidade da denúncia, peça de Plínio Marcos, dirigida por Roberto Bomtempo, mostra caráter atemporal

Montagem ressalta a importância de "Barrela"

Divulgação
Da esq. à dir., os atores Flávio Bauraqui, Jorge Neves e Silvio Guindane em cena de "Barrela"


SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

Peça-símbolo da luta contra a censura militar, "Barrela" foi escrita por Plínio Marcos aos 23 anos de modo quase instintivo, por reação à uma notícia de jornal, e representada só 20 anos depois, em 1979, ainda na clandestinidade, pelo mítico grupo O Bando. Sofrendo "mais que porco-espinho na hora do parto", com o endosso de Pagu e Cacilda Becker, Plínio se consagrou como dramaturgo-repórter.
Na atual revisão de sua obra, nessa temporada em que faria 70 anos, fica claro porém que reduzi-la à denúncia equivale a reduzir Nelson Rodrigues ao erotismo. "Barrela" não é uma alegoria datada nem uma mera reprodução do real: é uma peça de grande profundidade psicológica e social, atemporal porque escapa ao maniqueísmo.
Mantendo uma unidade estrita de tempo, espaço e tema, é uma peça para atores, que lucra quando dirigida por um ator, como é o caso desta produção. Roberto Bomtempo sabe manter o pulso acelerado dessa noite de solidão na cadeia sem atropelar as pausas sombrias, as histerias bruscas, as hesitações. Embora crie com a trilha "climas" redundantes, tira bom partido do cenário de Vera Hamburguer, móvel como uma câmera de cinema, e a luz expressionista de Fernando Albano, que dinamiza o beco sem saída, o círculo vicioso.
Girando em falso na jaula, os atores têm grande carisma, sem perder a delicadeza. Antônio Petrin, veterano dessa cela, companheiro de Plínio dos tempos maus, tem o peso necessário para fazer Portuga, expondo sua vulnerabilidade. Flávio Bauraqui, como Bahia, sabe contagiar a platéia com seu humor cruel, atiçando o pior machismo, que logo é confrontado pela dignidade na dor de Tirica, o que foi estuprado no reformatório e que agora tem que provar virilidade, estuprando por sua vez. Para esse papel difícil, que pede no final uma mistura de gargalhada e choro, Silvio Guindane é inesquecível.
Entre o melodrama e o deboche, a fábula engajada e o relatório antropológico, merecendo releituras cada vez mais aprofundadas, "Barrela" é uma peça que não envelhecerá nunca. Mesmo se perder sua urgente atualidade de denúncia. Barrela
    
Quando: sex. e sáb., às 21h30, dom., às 20h30; até 14/8
Onde: Fábrica São Paulo (r. da Consolação, 1.623, Consolação, tel. 3255-5922)
Quanto: R$ 20 (sex.); R$ 30 (sáb. e dom.)

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