São Paulo, sábado, 13 de novembro de 2004

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TEATRO

Encenada por Enrique Diaz, peça cola personagens a depoimentos pessoais dos intérpretes e interage com o público

Cia. dos Atores desmonta tragédia de Hamlet

VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma companhia teatral carioca em atividade há 16 anos, metida em experimentos cênicos, dramatúrgicos e interpretativos, isso é coisa rara em palcos inflados pela linguagem da televisão, caso do Rio de Janeiro.
A cia. dos Atores, nome simples assim, vem demarcando território desde seus primeiros espetáculos, como "Rua Cordelier" (88) e "A Bao a Qu" (89), até o seu mais premiado, "Melodrama" (95), passando por uma corajosa incursão por "O Rei da Vela" (2000), a antropofágica alegoria oswaldiana do país, consagrada historicamente pelo grupo Oficina de Zé Celso (67)
Pois chegou a vez de Shakespeare (1564-1616). A cia. dos Atores visita o cânone do sujeito ocidental, para citar Harold Bloom, com a sua licenciosidade de praxe. A partir da tradução de Millôr Fernandes, os atores e o diretor Enrique Diaz concebem uma "desmontagem" de "Hamlet".
Em cartaz a partir de hoje, no Sesc Belenzinho, o título já diz a que veio o espetáculo: "Ensaio.Hamlet". A perspectiva de um "rascunho" dá margem à metalinguagem teatral tão cara às produções da companhia.
São tantas as projeções e indagações quanto à conturbada história do príncipe da Dinamarca que um mesmo personagem é interpretado por mais de um ator.
Há concessões até para bonecos Power Rangers nesta releitura "anárquica e antropofágica", como explica Diaz.
Não se verá na íntegra o enredo do rapaz que tem seu pai assassinado pelo tio, este que, além de surrupiar a coroa, se casa com a rainha. "Mas Shakespeare e o Hamlet vão chegando aos poucos", diz o ator César Augusto, que também assina a cenografia com Marcos Chaves (dezenas de objetos espalhados como num tabuleiro adquirem outras funções e contribuem na construção narrativa).
Quando o público entra no teatro, os atores já estão no palco, a lançar perguntas como: "Você acredita em tudo o que vê?" ou "Sabia que no final dessa apresentação nove pessoas vão estar mortas?", e por aí vai.
Os impasses morais flagrados pelo protagonista, a dúvida entre ser ou não ser o herói vingador, tudo na peça espelha a natureza humana.

Interação
À disposição desses enigmas do texto, a cia. dos Atores se permite jogar com todos os recursos, como a interação (há momentos em que os atores conversam diretamente com o público).
Há cenas em que os seis intérpretes surgem como eles mesmos, colados aos personagens, como a estabelecer proximidade com o espectador e com o texto mítico, resultado de seis meses de investigação sobre a "peça-desafio".
E a sombra de Hamlet, quem diria, iluminou os passos da cia. dos Atores neste 2004: o espetáculo rendeu três indicações ao Prêmio Shell 2004 no Rio (direção, iluminação e música); a trupe levou ao cartaz uma segunda peça, "Notícias Cariocas", baseada em Nelson Rodrigues; acaba de conquistar uma sede na Lapa; e lança em dezembro o livro "Na Companhia dos Atores" (pela editora Aeroplano, com artigos dos integrantes e de pesquisadores convidados).


ENSAIO.HAMLET. Texto: William Shakespeare. Tradução: Millôr Fernandes. Direção: Enrique Diaz. Diretora assistente: Mariana Lima. Com: cia. dos Atores (Bel Garcia; César Augusto; Felipe Rocha; Fernando Eiras; Malu Galli e Marcelo Olinto). Cenografia: cia. dos Atores. Figurinos: Marcelo Olinto. Iluminação: Maneco Quinderé. Música: Lucas Marcier, Rodrigo Marçal e Felipe Rocha. Quando: estréia hoje, às 18h; sáb. e dom., às 18h. Onde: Sesc Belenzinho (av. Álvaro Ramos, 915, Belenzinho, tel. 6602-3700). Quanto: de R$ 7,50 a R$ 15. Até 19/12. Patrocinador: Brasil Telecom.


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