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TEATRO
Encenada por Enrique Diaz, peça cola personagens a depoimentos pessoais dos intérpretes e interage com o público
Cia. dos Atores desmonta tragédia de Hamlet
VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Uma companhia teatral carioca
em atividade há 16 anos, metida
em experimentos cênicos, dramatúrgicos e interpretativos, isso é
coisa rara em palcos inflados pela
linguagem da televisão, caso do
Rio de Janeiro.
A cia. dos Atores, nome simples
assim, vem demarcando território desde seus primeiros espetáculos, como "Rua Cordelier" (88)
e "A Bao a Qu" (89), até o seu mais
premiado, "Melodrama" (95),
passando por uma corajosa incursão por "O Rei da Vela"
(2000), a antropofágica alegoria
oswaldiana do país, consagrada
historicamente pelo grupo Oficina de Zé Celso (67)
Pois chegou a vez de Shakespeare (1564-1616). A cia. dos Atores
visita o cânone do sujeito ocidental, para citar Harold Bloom, com
a sua licenciosidade de praxe. A
partir da tradução de Millôr Fernandes, os atores e o diretor Enrique Diaz concebem uma "desmontagem" de "Hamlet".
Em cartaz a partir de hoje, no
Sesc Belenzinho, o título já diz a
que veio o espetáculo: "Ensaio.Hamlet". A perspectiva de
um "rascunho" dá margem à metalinguagem teatral tão cara às
produções da companhia.
São tantas as projeções e indagações quanto à conturbada história do príncipe da Dinamarca
que um mesmo personagem é interpretado por mais de um ator.
Há concessões até para bonecos
Power Rangers nesta releitura
"anárquica e antropofágica", como explica Diaz.
Não se verá na íntegra o enredo
do rapaz que tem seu pai assassinado pelo tio, este que, além de
surrupiar a coroa, se casa com a
rainha. "Mas Shakespeare e o
Hamlet vão chegando aos poucos", diz o ator César Augusto,
que também assina a cenografia
com Marcos Chaves (dezenas de
objetos espalhados como num tabuleiro adquirem outras funções
e contribuem na construção narrativa).
Quando o público entra no teatro, os atores já estão no palco, a
lançar perguntas como: "Você
acredita em tudo o que vê?" ou
"Sabia que no final dessa apresentação nove pessoas vão estar mortas?", e por aí vai.
Os impasses morais flagrados
pelo protagonista, a dúvida entre
ser ou não ser o herói vingador,
tudo na peça espelha a natureza
humana.
Interação
À disposição desses enigmas do
texto, a cia. dos Atores se permite
jogar com todos os recursos, como a interação (há momentos em
que os atores conversam diretamente com o público).
Há cenas em que os seis intérpretes surgem como eles mesmos,
colados aos personagens, como a
estabelecer proximidade com o
espectador e com o texto mítico,
resultado de seis meses de investigação sobre a "peça-desafio".
E a sombra de Hamlet, quem diria, iluminou os passos da cia. dos
Atores neste 2004: o espetáculo
rendeu três indicações ao Prêmio
Shell 2004 no Rio (direção, iluminação e música); a trupe levou ao
cartaz uma segunda peça, "Notícias Cariocas", baseada em Nelson Rodrigues; acaba de conquistar uma sede na Lapa; e lança em
dezembro o livro "Na Companhia
dos Atores" (pela editora Aeroplano, com artigos dos integrantes e de pesquisadores convidados).
ENSAIO.HAMLET. Texto: William
Shakespeare. Tradução: Millôr
Fernandes. Direção: Enrique Diaz.
Diretora assistente: Mariana Lima. Com:
cia. dos Atores (Bel Garcia; César
Augusto; Felipe Rocha; Fernando Eiras;
Malu Galli e Marcelo Olinto). Cenografia:
cia. dos Atores. Figurinos: Marcelo
Olinto. Iluminação: Maneco Quinderé.
Música: Lucas Marcier, Rodrigo Marçal e
Felipe Rocha. Quando: estréia hoje, às
18h; sáb. e dom., às 18h. Onde: Sesc
Belenzinho (av. Álvaro Ramos, 915,
Belenzinho, tel. 6602-3700). Quanto: de
R$ 7,50 a R$ 15. Até 19/12. Patrocinador:
Brasil Telecom.
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