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ARTES PLÁSTICAS/CRÍTICA
Trabalhos do artista estabelecem intercomunicação entre as peças e o espaço ao seu redor
Cores de Michalany dão mobilidade a galeria
TIAGO MESQUITA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Faz um bom tempo que Cassio Michalany -atualmente
com exposição na Raquel Arnaud- compõe seus quadros
juntando telas verticais e monocromáticas. O artista se vale de
corpos simples, impessoais e cuidadosamente delimitados. Sozinhas, estas faixas não apresentam
grandes qualidades.
Suas cores são fortes, mas lisas.
A tinta permeia todo o tecido.
Não evidencia as marcas do fazer
artístico e nem sugere grandes
movimentos na lona. Vemos cada
faixa como um objeto colorido
comum. A igualdade de condições deles é tamanha que torna
difícil qualquer forma de distinção mais marcada. Apesar da execução impecável, não é daí que sai
a força artística do trabalho.
Estas formas não retiram seu
sentido de atributos intrínsecos.
Não se diferenciam de qualquer
outra superfície colorida e nem
tentam se distinguir.
A sua força aparece no modo de
interação que uma faixa de cor estabelece com as outras. Cada uma
destas telas retangulares é parafusada em outra. Justapostas, duas
ou mais, formam uma pintura.
Como em algumas telas de Edgar
Degas (1834-1917), temos a impressão de que Michalany trabalha com corpos anônimos, chapados, sem nenhuma interioridade.
É a partir das diferentes formas
de interação entre uma faixa e outra que estes quadros mostram o
seu número insondável de possibilidades. Por exemplo, com um
par cromático, em quatro faixas
de tamanhos diferentes, o artista
-em sua exposição realizada no
Centro Cultural São Paulo, há cinco anos- sugeria uma progressão intercalada de cores aproximadas.
Nos seus trabalhos mais recentes, como os mostrados agora no
Gabinete de Arte Raquel Arnaud,
o artista não procura apenas a interação e as possibilidades da relação entre cores e formatos dentro
dos limites de cada obra.
Mantém esta relação, mas a expande para a comunicação entre
uma tela e outra e destas com o espaço ao seu redor. Anteriormente, a permutação entre cores em
faixas de larguras diferentes sugeria as diversas feições que este elemento poderia assumir. Agora,
também sugere um movimento
que sai de uma tela, se interrompe, continua de maneira diferente, numa sucessão contínua, feita
de ritmos irregulares.
A exposição é composta por
dois conjuntos de seis telas. Todas
são feitas com três cores que variam de posição. Ambos os conjuntos têm duas faixas iguais, no
começo, e uma maior no final.
Uma série é maior que a outra. No
conjunto grande, o artista usa um
marrom, um cinza azulado e um
ocre esverdeado. No de telas menores ele usa um preto, um verde
e um azul.
O artista as monta intercalando
telas de uma série com as da outra. Seis quadros em uma parede e
seis na da frente. A cada mudança
as cores trocam de posição. Na
montagem, foi cuidadoso para
que nenhuma cor que terminasse
um quadro iniciasse o próximo
exemplar da série.
Assim a alternância entre as cores é permanente. Entre uma parede e outra surge um painel
branco, que interrompe o ritmo
sincopado das alternâncias de
cor. É interessante notarmos,
também, como uma parede é distinta da outra. Apesar de lidar
com um número de elementos
tão limitado, é notável como o artista consegue resultados vários.
Temos a impressão de que os fenômenos da pintura acontecem
por todos os lados. Sem direção
nem posições prévias.
Uma das discussões que animam o debate artístico é a incorporação dos espaços comuns à
obra de arte. Ou seja, como a alocação de objetos num logradouro
qualquer pode modificar a percepção de onde estamos.
O trabalho de Michalany é
exemplar desta tomada de consciência. Sem apelar para expedientes exorbitantes nem elementos alusivos, o artista mobiliza todo lugar. É difícil, na relação entre
estas telas, encontrar correspondências fáceis ou um princípio
que ordene a passagem de uma
cor a outra. Tudo acontece sem
direção prévia ou sentido estabelecido. Quem, antes de ver estes
trabalhos, pensaria que apenas
com faixas coloridas ele mobilizaria uma sala?
Tiago Mesquita é crítico de arte
Cassio Michalany
Onde: Raquel Arnaud (r. Artur Azevedo,
401, Pinheiros, tel. 3083-6322); site:
www.raquelarnaud.com
Quando: de seg. a sex., das 10h às 19h.
Sáb., das 11h às 14h. Até 20/3.
Quanto: entrada franca.
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