São Paulo, sábado, 14 de fevereiro de 2004

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ARTES PLÁSTICAS/CRÍTICA

Trabalhos do artista estabelecem intercomunicação entre as peças e o espaço ao seu redor

Cores de Michalany dão mobilidade a galeria

TIAGO MESQUITA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Faz um bom tempo que Cassio Michalany -atualmente com exposição na Raquel Arnaud- compõe seus quadros juntando telas verticais e monocromáticas. O artista se vale de corpos simples, impessoais e cuidadosamente delimitados. Sozinhas, estas faixas não apresentam grandes qualidades.
Suas cores são fortes, mas lisas. A tinta permeia todo o tecido. Não evidencia as marcas do fazer artístico e nem sugere grandes movimentos na lona. Vemos cada faixa como um objeto colorido comum. A igualdade de condições deles é tamanha que torna difícil qualquer forma de distinção mais marcada. Apesar da execução impecável, não é daí que sai a força artística do trabalho.
Estas formas não retiram seu sentido de atributos intrínsecos. Não se diferenciam de qualquer outra superfície colorida e nem tentam se distinguir.
A sua força aparece no modo de interação que uma faixa de cor estabelece com as outras. Cada uma destas telas retangulares é parafusada em outra. Justapostas, duas ou mais, formam uma pintura. Como em algumas telas de Edgar Degas (1834-1917), temos a impressão de que Michalany trabalha com corpos anônimos, chapados, sem nenhuma interioridade.
É a partir das diferentes formas de interação entre uma faixa e outra que estes quadros mostram o seu número insondável de possibilidades. Por exemplo, com um par cromático, em quatro faixas de tamanhos diferentes, o artista -em sua exposição realizada no Centro Cultural São Paulo, há cinco anos- sugeria uma progressão intercalada de cores aproximadas.
Nos seus trabalhos mais recentes, como os mostrados agora no Gabinete de Arte Raquel Arnaud, o artista não procura apenas a interação e as possibilidades da relação entre cores e formatos dentro dos limites de cada obra.
Mantém esta relação, mas a expande para a comunicação entre uma tela e outra e destas com o espaço ao seu redor. Anteriormente, a permutação entre cores em faixas de larguras diferentes sugeria as diversas feições que este elemento poderia assumir. Agora, também sugere um movimento que sai de uma tela, se interrompe, continua de maneira diferente, numa sucessão contínua, feita de ritmos irregulares.
A exposição é composta por dois conjuntos de seis telas. Todas são feitas com três cores que variam de posição. Ambos os conjuntos têm duas faixas iguais, no começo, e uma maior no final. Uma série é maior que a outra. No conjunto grande, o artista usa um marrom, um cinza azulado e um ocre esverdeado. No de telas menores ele usa um preto, um verde e um azul.
O artista as monta intercalando telas de uma série com as da outra. Seis quadros em uma parede e seis na da frente. A cada mudança as cores trocam de posição. Na montagem, foi cuidadoso para que nenhuma cor que terminasse um quadro iniciasse o próximo exemplar da série.
Assim a alternância entre as cores é permanente. Entre uma parede e outra surge um painel branco, que interrompe o ritmo sincopado das alternâncias de cor. É interessante notarmos, também, como uma parede é distinta da outra. Apesar de lidar com um número de elementos tão limitado, é notável como o artista consegue resultados vários.
Temos a impressão de que os fenômenos da pintura acontecem por todos os lados. Sem direção nem posições prévias.
Uma das discussões que animam o debate artístico é a incorporação dos espaços comuns à obra de arte. Ou seja, como a alocação de objetos num logradouro qualquer pode modificar a percepção de onde estamos.
O trabalho de Michalany é exemplar desta tomada de consciência. Sem apelar para expedientes exorbitantes nem elementos alusivos, o artista mobiliza todo lugar. É difícil, na relação entre estas telas, encontrar correspondências fáceis ou um princípio que ordene a passagem de uma cor a outra. Tudo acontece sem direção prévia ou sentido estabelecido. Quem, antes de ver estes trabalhos, pensaria que apenas com faixas coloridas ele mobilizaria uma sala?


Tiago Mesquita é crítico de arte
Cassio Michalany
    
Onde: Raquel Arnaud (r. Artur Azevedo, 401, Pinheiros, tel. 3083-6322); site: www.raquelarnaud.com
Quando: de seg. a sex., das 10h às 19h. Sáb., das 11h às 14h. Até 20/3. Quanto: entrada franca.



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