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CINEMA
Filme, que reestréia hoje na cidade, narra a história de um marido que manda sequestrar a própria mulher
``Fargo'' leva cinismo dos Coen ao Oscar
INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema
O que mais impressiona no cinema dos irmãos Coen -para o bem
e para o mal- é o cinismo do
olhar.
Diante de um grupo de gângsteres (``Ajuste Final''), um bambolê
(``Na Roda da Fortuna'') ou um
marido que manda sequestrar a
própria mulher (``Fargo''), pouco
importa, há em seus filmes uma
constante estupefação diante daquilo que vêem.
É como se o mal que mostram
-Joel na direção, Ethan na produção- estivesse em um outro
mundo, em outro país, em um lugar que não habitam.
A vantagem imediata dessa
aproximação das coisas que promovem é a originalidade.
Num cinema com tradição moral, como o americano, a frieza é
uma qualidade rara.
Esterilidade
Com isso, e algum humor, ``Fargo'' consegue empurrar uma intriga que não chega a ser inédita
-pelo contrário- e nunca passar
a impressão de clichê.
A desvantagem é que, à força de
não se contaminar por aquilo que
mostram, os irmãos Coen tendem
a alguma esterilidade retrospectiva. Exemplo: o que há de mais humano -por assim dizer- e memorável em ``Ajuste Final'' é o
olhar de um cachorro que de tempos em tempos entra em cena.
O que permanece de mais marcante em ``Barton Fink'' -que ganhou o Festival de Cannes- é um
incêndio.
Passada a primeira (e boa) impressão, notamos que outros filmes sobre roteiristas -como
``Crepúsculo dos Deuses'', de Billy
Wilder, para não ir longe- nos
informam mais sobre Hollywood,
seus roteiristas, as concessões a
que a vida força um homem, a escrita e seus desvios do que ``Barton Fink''.
Essa curiosa degeneração que o
tempo impõe ao cinema dos Coen
é sempre mitigada por algum
achado.
Em ``Fargo'', Frances McDormand é uma chefe de polícia
-grávida- que investiga o caso
em que está envolvido William H.
Macy. Ele é o marido que forja o
sequestro da própria mulher, para
faturar algum à custa do sogro.
Estamos em princípio no registro policial.
Joel e Ethan Coen promovem,
como o diretor Quentin Tarantino, mas em outra direção, uma reciclagem do classicismo norte-americano.
Ao contrário de Tarantino, essa
reciclagem não é ostensiva. Há
mesmo qualquer coisa de escuso
nela que, num primeiro instante, o
cinismo absorve, contorna, converte em impressão de um pensamento sobre as coisas.
Mas, quanto mais vemos os filmes, menos esse pensamento aparece. Quer dizer, ele existe. Mas,
convenhamos, não é tudo isso.
Existe ali, por exemplo, a crítica
a uma suposta imbecilidade dos
norte-americanos.
Mas: será que isso não se aplica a
qualquer coisa, a qualquer povo,
desde que a disposição seja esta?
No fim das contas, o menor dos
policiais de Raoul Walsh -aqueles que ele dirigia do bar ao lado do
``set''- acabam nos informando
mais sobre a humanidade, os costumes, a dor, a tragédia, a beleza, a
sordidez etc. do que o maior dos
filmes dos Coen.
Hoje, pode-se saber o que foram
os EUA, entre 1920 e 1960 vendo os
filmes de Walsh. E Walsh nunca
nem passou na porta do Oscar.
Com ``Fargo'', os Coen vão ao
Oscar- o longa concorre aos prêmios de melhor filme, diretor,
atriz, ator coadjuvante, fotografia,
roteiro original e montagem.
Mas, se um historiador futuro
buscar nele o que foram os anos
90, achará menos: apenas que mulheres grávidas -que amam e sustentam maridos vagamente vadios- podiam ser boas chefes de
polícia.
Filme: Fargo
Produção: EUA, 1996
Direção: Joel Coen
Com: Frances McDormand, William H.
Macy, Steve Buscemi
Quando: reestréia hoje nos cines
Paulistano e Butantã 3
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