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São Paulo, sábado, 14 de junho de 2003

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CINEMA/ESTRÉIAS

"VOLTANDO A VIVER"

Baseado em história real, longa-metragem é a estréia do ator Denzel Washington na direção

Atores à parte, drama é supérfluo e quadrado

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

A psiquiatria , ao menos tal como é entendida no cinema americano, é uma ciência do poder. Ao médico (ou psicanalista ou terapeuta) não cabe investigar o inconsciente do sujeito nem colocá-lo em face de si mesmo. Trata-se, antes, de adequá-lo àquilo que a sociedade pede e que ele, por qualquer razão, não está em condições de satisfazer.
Nesse sentido, o caso de Antwone Fisher narrado em "Voltando a Viver" é exemplar: suboficial da Marinha, a tendência a arrumar encrenca o expõe a punições e prejudica sua carreira. Ver o psiquiatra é uma das punições a que é submetido por um oficial.
Por sorte, o psiquiatra naval que cuida do caso, Jerome Davenport (Denzel Washington), é negro como ele e capaz de perceber a extensão das angústias que acometem o rapaz: órfão de pai, abandonado pela mãe ao nascer, criado num orfanato e depois adotado por família pouco amigável etc.
O fato de ser compreensivo não exime Davenport de bater na tecla do poder duplamente: como psiquiatra e como superior hierárquico. É a partir do respeito (e do temor) que Antwone lhe deve que se orienta a "cura".
O método, nem é preciso dizer, funciona maravilhosamente. O duplo poder de que é dotado Davenport transforma-o numa espécie de pai para o confuso rapaz. E não é preciso ser dotado de um saber sobrenatural para notar que tudo de que Antwone necessita é de uma figura paterna forte.
A história é real. Foi Fisher, no mais, quem escreveu, baseado em sua vida, o roteiro que serviu à estréia de Denzel Washington na direção. Uma estréia supérflua, a não ser por revelar dois belos atores: Derek Luke, que faz o papel de Antwone, e Joy Bryant, sua namorada. À parte isso, tudo credenciaria "Voltando a Viver" a ser um telefilme aplicado: personagens superficiais, situações convencionais, mise-en-scène quadrada, música abundante e choramingas, moral edificante.
Sem falar que, quase sem entraves (ou com os entraves necessários a compor 90 minutos de filme), o dr. Davenport consegue exatamente aquilo a que se propõe: transformar o problemático Fisher num servidor exemplar da pátria. Para que as coisas não fiquem só na bobagem mediana, a relação com Antwone ensinará algo a Davenport -pois, nos dias que correm, é preciso que mesmo os pais autoritários aprendam algo com os filhos.


Voltando a Viver
Antwone Fisher
  Produção: EUA, 2002 Direção: Denzel Washington Com: Derek Luke e Denzel Washington Quando: em cartaz nos cines Anália Franco, Belas Artes e circuito


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