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CINEMA/ESTRÉIAS
"VOLTANDO A VIVER"
Baseado em história real, longa-metragem é a estréia do ator Denzel Washington na direção
Atores à parte, drama é supérfluo e quadrado
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
A psiquiatria , ao menos tal
como é entendida no cinema
americano, é uma ciência do poder. Ao médico (ou psicanalista
ou terapeuta) não cabe investigar
o inconsciente do sujeito nem colocá-lo em face de si mesmo. Trata-se, antes, de adequá-lo àquilo
que a sociedade pede e que ele,
por qualquer razão, não está em
condições de satisfazer.
Nesse sentido, o caso de Antwone Fisher narrado em "Voltando a
Viver" é exemplar: suboficial da
Marinha, a tendência a arrumar
encrenca o expõe a punições e
prejudica sua carreira. Ver o psiquiatra é uma das punições a que
é submetido por um oficial.
Por sorte, o psiquiatra naval que
cuida do caso, Jerome Davenport
(Denzel Washington), é negro como ele e capaz de perceber a extensão das angústias que acometem o rapaz: órfão de pai, abandonado pela mãe ao nascer, criado
num orfanato e depois adotado
por família pouco amigável etc.
O fato de ser compreensivo não
exime Davenport de bater na tecla
do poder duplamente: como psiquiatra e como superior hierárquico. É a partir do respeito (e do
temor) que Antwone lhe deve que
se orienta a "cura".
O método, nem é preciso dizer,
funciona maravilhosamente. O
duplo poder de que é dotado Davenport transforma-o numa espécie de pai para o confuso rapaz.
E não é preciso ser dotado de um
saber sobrenatural para notar que
tudo de que Antwone necessita é
de uma figura paterna forte.
A história é real. Foi Fisher, no
mais, quem escreveu, baseado em
sua vida, o roteiro que serviu à estréia de Denzel Washington na direção. Uma estréia supérflua, a não ser por revelar dois belos atores: Derek Luke, que faz o papel de Antwone, e Joy Bryant, sua namorada. À parte isso, tudo credenciaria "Voltando a Viver" a ser um telefilme aplicado: personagens superficiais, situações convencionais, mise-en-scène quadrada, música abundante e choramingas, moral edificante.
Sem falar que, quase sem entraves (ou com os entraves necessários a compor 90 minutos de filme), o dr. Davenport consegue exatamente aquilo a que se propõe: transformar o problemático Fisher num servidor exemplar da pátria. Para que as coisas não fiquem só na bobagem mediana, a relação com Antwone ensinará algo a Davenport -pois, nos dias que correm, é preciso que mesmo
os pais autoritários aprendam algo com os filhos.
Voltando a Viver
Antwone Fisher
Produção: EUA, 2002
Direção: Denzel Washington
Com: Derek Luke e Denzel Washington
Quando: em cartaz nos cines Anália
Franco, Belas Artes e circuito
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