São Paulo, quinta-feira, 14 de agosto de 2008

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Cinema / Comentário

Ciclo mostra filmes do russo Bauer, mestre esquecido do cinema mudo

AMIR LABAKI
ARTICULISTA DA FOLHA

A Segunda Jornada de Cinema Silencioso apresenta amanhã, com reprise no sábado, duas das principais obras recuperadas do período russo pré-revolucionário: "Devaneios" e "Depois da Morte", ambos rodados em 1915 por Evgenii Frantsevich Bauer (1865-1917).
Os dois títulos voltaram à circulação em 1989, dentro da extraordinária retrospectiva apresentada pela Giornata del Cinema Muto de Pordenone, Itália, a Cannes dos festivais de cinema de arquivo.
No ciclo, a maior revelação entre todas foi a da obra de Bauer. Um dos genuínos gigantes do cinema mudo estivera eclipsado, dentro do discurso oficial de menosprezo à toda produção fílmica na Rússia pré-bolchevique.
Formado em arquitetura, Bauer trabalhou como fotógrafo retratista e cenógrafo de teatro e de cinema antes de chegar à direção. O exercício de ambos os ofícios marcou profundamente seu estilo cinematográfico. Seus personagens movem-se com extrema economia a partir de quadros minuciosamente compostos. É nesse tabuleiro que desenvolvem-se as novelas psicológicas filmadas de forma minimalista por Bauer. Dos 86 títulos que dirigiu, apenas um terço sobreviveu até nós. "Devaneios" e "Depois da Morte" são consensualmente consideradas suas duas obras-primas. Homens frágeis e mulheres fortes, obsessões e fetiches, sonhos e fantasmas protagonizam ambos os filmes. "Devaneios" conta a história de um viúvo inconsolado que projeta o espectro de sua amada numa atriz.
Já em "Depois da Morte", um cientista solteirão que acaba de perder a mãe se apaixona também por uma atriz. Num encontro proposto por ela, ele a rechaça, levando-a ao suicídio.
A culpa e o arrependimento o torturam sob a forma de visões constantes do fantasma dela.
Bauer insufla rara vida a suas narrativas trágicas ao acentuar sua "estética da imobilidade", na expressão do crítico russo Yuri Tsivian, por meio de um elaboradíssimo jogo de câmera.
Bauer é um caso ímpar na história do cinema. Comparações com o sueco Victor Sjoström, pelo domínio pleno da câmera, e com o posterior japonês Yasujiro Ozu, na sensibilidade pioneira para a tragicomédia da vida urbana, fazem sentido, mas são francamente insuficientes. Bauer é o grande cronista romântico da Rússia às vésperas da revolução.


DEVANEIOS/DEPOIS DA MORTE
Direção: Evgenii Bauer
Onde: Sala Cinemateca (lgo. Senador Raul Cardoso, 207, tel. 5084-2177)
Quando: amanhã, às 19h; sáb., às 21h45
Classificação indicativa: livre
Avaliação: ótimo



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