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DANÇA
Evento em homenagem a Takao Kusuno apresentou manifestações atuais do gênero japonês surgido nos anos 50
Dissonâncias e consonâncias marcam o butô
Yuji Kusuno/Divulgação
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Cena de "Quimera - O Anjo Vai Voando", espetáculo apresentado durante "Vestígios do Butô" |
INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA
Terminou na última quarta-feira a grande temporada de
"Vestígios do Butô". O evento, em
homenagem a Takao Kusuno
(1945-2001), apresentou uma
multiplicidade de visões -dissonâncias e consonâncias, tradição
e hibridismo- compondo um
panorama da atualidade do butô.
Movimento artístico surgido
em fins da década de 50 no Japão,
o butô segue exercendo influência
sobre a dança e o teatro do Ocidente, em metamorfoses que a essa altura já formam também uma
outra tradição.
Sempre com o teatro do Sesc
Consolação lotado, a temporada
abriu com espetáculos da Cia. Tamanduá, fundada por Kusuno em
1995: "O Olho do Tamanduá" e
"Quimera - O Anjo Vai Voando".
Depois vieram "Rubicão" (Mitsuri Sasaki), "As Bonecas" (Marta
Soares), "Delírio de uma Infância" (Ismael Ivo), "Florescerei para Ti, Florescendo Orgulhosamente" (Yoshito Ohno e Akira
Kasai), "Noturno" (Ebisu Torii e
Matsuko Tanaka), "Bodas do
Campo, Dentro da Espiral das Estações" (Yukio Waguri e Elisa Ohtake) e finalmente "As Galinhas",
uma remontagem da coreografia
de Takao Kusuno, de 1980, pelo
elenco original (Dorothy Lenner,
Ismael Ivo, Renée Gumiel).
Nos trabalhos de Kusuno, impressiona em especial a capacidade do coreógrafo de usar as tensões, construindo milimetricamente cada deslocamento no palco. Em "O Olho..." o sincretismo
místico brasileiro está fortemente
presente: xavante, cangaceiro,
pomba-gira etc. Dito assim pode
parecer estranho, mas o gênio da
coisa está em colocar em cena, de
modo único, as mais diferentes
culturas que interagem no Brasil.
Desde o começo, um forte clima
ritualístico se instaura pelas batidas dos pés do Xavante Siridwê,
prolongando-se depois em cada
intérprete. O intervalo entre os
sons e a respiração do corpo vira
uma presença eloquente na cena.
O tonos ganha espaço, o espaço
ganha ritmo. Dinâmicas fortes,
em contraste com momentos de
nada: para mudar a percepção de
quem viu.
Homenagem à mulher de Takao, Felicia Ogawa (1945-97),
"Quimera..." questiona a condição humana em situações limites.
Aqui a luz tem papel preponderante, riscando o chão em cruz e
formando sombras que duplicam
ou anunciam os corpos. Novamente os intérpretes carregam no
corpo a potência da criação: condições extremas, colapso corporal, suavidade, força.
Outros destaques da temporada: "Florescerei..." e "Noturno".
Na primeira, a dança grave, tensa,
controlada de Yoshito Ohno contrapõe-se à leveza, à ironia, ao
desprendimento e luminosidade
de Akira Kasai. Os tempos das
danças de um e outro também se
cruzam; por exemplo, enquanto
Yoshito, todo de branco, se move
lentamente, Kazai se aproxima
como seu reverso, vestido apenas
de sunga preta, conectando terra
e ar, sentindo o poder da gravidade. Os corpos vibram ligeiramente no vazio: cada movimento ganha um tempo próprio, impregnado de significado.
Em "Noturno", de Torii e Tanaka, uma figura distorcida e alongada inicia o espetáculo com movimentos das mãos e do rosto, de
tal modo que o corpo parece, ele
mesmo, prolongamento do espaço. Na cena seguinte, esse imenso
casulo vermelho fica ao fundo,
contraposto a duas estruturas
brancas e translúcidas, na frente e
no fundo da diagonal do palco.
Em cena dois corpos absolutamente diferentes: Torii é magro,
desconjuntado, um corpo que expõe toda a fragilidade humana
-chegando ao máximo quando
encarna galhos balançando ao
som de seu próprio assovio; Tanaka, de sua parte, expande e contrai o corpo de forma impressionante -tanto pode ter meio metro de altura quanto crescer desmesuradamente.
Dança do humano, dança das
profundezas, dança da beleza.
Mais que um festival de dança, foi
uma temporada iniciática, na
fronteira entre Oriente e Ocidente, no limite entre passado e futuro, na linha quase desaparecida
entre arte e vida.
Avaliação:
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