|
Próximo Texto | Índice
"NA SOLIDÃO DOS CAMPOS DE ALGODÃO"
Através de metáforas, peça dirigida por Paulo José aborda utopia e desejo
Montagem empresta maturidade a Koltès
Guga Melgar/ Divulgação
|
Adriano Garib (à esq.) e Paulo Trajano em "Na Solidão dos Campos de Algodão" |
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
"Na Solidão dos Campos de
Algodão" é uma encenação meticulosa para um texto difícil. Bernard-Marie Koltès (1948-1989), um dos dramaturgos franceses mais representados e traduzidos, começa assim no Brasil a
completar a trajetória que o marcou na França: adotado primeiro
pelo teatro experimental, sobretudo o de estudantes de teatro, ganha consagração se beneficiando
com montagens cada vez mais
despojadas por veteranos.
Pois o desafio do texto de Koltès
está justamente na sua crueza.
Quase sem intriga, suas peças começam em um impasse e acabam
sem concluir nada, possibilitando
apenas que na angústia do vácuo
os personagens se enredem em
longos monólogos, que honram a
língua de Racine. Árias de ópera
sem música, nas quais fulguram
como meteoros comparações de
grande lucidez poética, é constante o perigo para a encenação de se
converter ora em uma sequência
de efeitos cênicos, ora em um
duelo verbal em forma de façanha
técnica entre atores.
O grande trunfo é a mão de atores, desde a tradução (Jacqueline
Laurence garante a fluidez) até a
direção de Paulo José. As marcas
não chamam atenção para si, permanecem orgânicas, quase realistas, enquanto garantem a variedade de tons e ritmos desse texto
construído em tema e variações.
A cenografia revela a eficácia do
seu despojamento justamente nos
raros momentos que extrapola o
essencial, em um questionável
efeito com fibras óticas.
Como "virtuosi" que devem dar
a impressão de simplicidade para
uma partitura difícil, os atores
não perdem o fio da meada do
fluxo verbal. Paulo Trajano parte
de uma caracterização um pouco
carregada do traficante, mas logo
mostra uma fragilidade mais
aprofundada, beneficiado pelo
contraponto de Adriano Garib,
próximo do depoimento pessoal,
sem perder a objetividade.
A trama se limita ao encontro
fortuito entre um traficante, que
não revela o que vende, e um
eventual cliente, que não assume
o que quer. Entre a ameaça e a sedução, e respeitando as regras
clássicas, o conflito imediatamente se configura como uma metáfora. Imerso no fluxo verbal, sem
pistas na intriga que dêem margem a uma interpretação inequívoca, o espectador se prende a detalhes da encenação para compreender a metáfora. O sotaque
carioca dos atores leva a uma possível leitura sócio-psicológica: o
conflito de poder entre o traficante do morro e o emergente urbano
aproximaria Koltès de Plínio
Marcos. A peça, assim, falaria de
utopia e desejo, questão central
para a política brasileira atual.
Por outro lado, o fato de o público ficar em arquibancadas montadas no palco, começando a peça
com o fechar do pano, permite
uma leitura metalinguística: um
artista na coxia negociando com o
público qual a sua função. Cabe
ao público, assim, vencendo a
sensação de tédio que sempre
ameaça a montagem, incentivado
pela grande concentração dos
atores, fazer a relação que permite
à peça transcender o mero exercício técnico. Essa é a grandeza e o
limite dessa encenação.
Na Solidão dos Campos de
Algodão
De: Bernard-Marie Koltès
Direção: Paulo José
Com: Adriano Garib e Paulo Trajano
Onde: Sesc Belenzinho (av. Álvaro Ramos, 915, tel. 6602-3700)
Quando: sáb. e dom., às 21h; até 30/11
Quanto: R$ 15
Próximo Texto: Tablado revira o centro da cidade Índice
|