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São Paulo, segunda-feira, 15 de dezembro de 2003

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ERUDITO/OSESP

Novas charadas musicais brasileiras

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

Os santos de casa continuam fazendo milagres, e não é sempre que não são reconhecidos. Por exemplo: o pequeno solo de Antonio Meneses, no segundo movimento das "Bachianas Brasileiras nš 1" de Villa-Lobos (1887-1959). Na Sala São Paulo ninguém respirava, na sexta-feira, enquanto o violoncelista ia explicando a vida em forma de melodia, com seus pequenos crescendos e decrescendos, e sua arrebatadora tristeza. No perímetro imediato do crítico, foram pelo menos quatro pessoas que secaram os olhos no fim, e não era para menos.
Convidado de honra desse concerto de encerramento da temporada 2003, Meneses agora grava com a Osesp, regida por Roberto Minczuk, completando a integral das "Bachianas" (a sair pelo selo BIS). Integrado ao naipe de violoncelos da orquestra, como "spalla", nas "Bachianas" 1 e 5, e sentado na última fileira, com o conjunto todo das cordas nas "Bachianas" 9, ele tocou o programa com evidente prazer; como se o privilégio fosse dele. E é: o mais alto dos privilégios, tocar como Antonio Meneses.

Aplausos para Neschling
No final da noite, depois da "Suíte nš 3" de Bach (1685-1750) -cuja famosa "Ária na Corda Sol" serve de modelo para a "Ária" das "Bachianas nš 5"-, o violoncelista voltou para um bis: as "Bourrées" da "Terceira Suíte" para cello solo de Bach. Foram dedicadas por Meneses ao maestro Neschling, aplaudido de pé pela orquestra e pela platéia. Numa semana em que orelhas ferveram na praça Mauá e as linhas da internet estavam a ponto de pegar fogo, com o fuxico sobre as negociações difíceis para a renovação do contrato do maestro, o gesto foi mais do que claro. Antes disso, o maestro Minczuk já fizera menção, discretamente sublinhada, ao "diretor artístico" da Osesp: "John Neschling".
Foi bem significativo, vindo de um regente que chega ele mesmo ao fim do ano com resenhas consagradoras na Europa e nos Estados Unidos. Em sites ingleses de música clássica, foi comparado "ao jovem Furtwangler" e a Celibidache -coisa que um crítico brasileiro jamais poderia dizer sem ser acusado de exagero.
Nos EUA, foi capa da "Playbill" de novembro com a programação da Filarmônica de Nova York -cujo site estampa a seguinte sequência de nomes: Lorin Maazel, Roberto Minczuk, Leonard Bernstein, Kurt Masur.
O que há de mais forte nas "Bachianas" da Osesp com Minczuk diz respeito à sobreposição de texturas e tempos. Num plano, fica a exuberância solar de Villa, que consome o universo. No outro, intimidades lunares, um tipo quase calado de inteligência do coração. Getulismos desaparecem nessa música moderna e eterna.
A soprano norte-americana Donna Brown cantou lindamente a "Ária" das "Bachianas nš 5" "sobre o espaço sonhadora e bela", em especial na última seção. Pena o agudo final. Já a "Dança" não parecia ter chegado ainda aonde quer. Será crime de lesa-majestade chamar uma cantora de fora para cantar as "Bachianas"? Talvez, mas a Osesp sempre defendeu o Brasil sem provincianismos.
Nesse mesmo espírito, que se arranje logo uma solução para os impasses da orquestra. Março está aí e ninguém pode pôr em risco a continuidade do maior projeto de música clássica de que já se teve notícia no país.


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