|
Texto Anterior | Índice
ERUDITO/OSESP
Novas charadas musicais brasileiras
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Os santos de casa continuam fazendo milagres, e
não é sempre que não são reconhecidos. Por exemplo: o pequeno solo de Antonio Meneses, no
segundo movimento das "Bachianas Brasileiras nš 1" de Villa-Lobos (1887-1959). Na Sala São Paulo ninguém respirava, na sexta-feira, enquanto o violoncelista ia
explicando a vida em forma de
melodia, com seus pequenos crescendos e decrescendos, e sua arrebatadora tristeza. No perímetro
imediato do crítico, foram pelo
menos quatro pessoas que secaram os olhos no fim, e não era para menos.
Convidado de honra desse concerto de encerramento da temporada 2003, Meneses agora grava
com a Osesp, regida por Roberto
Minczuk, completando a integral
das "Bachianas" (a sair pelo selo
BIS). Integrado ao naipe de violoncelos da orquestra, como "spalla", nas "Bachianas" 1 e 5, e sentado na última fileira, com o conjunto todo das cordas nas "Bachianas" 9, ele tocou o programa
com evidente prazer; como se o
privilégio fosse dele. E é: o mais alto dos privilégios, tocar como Antonio Meneses.
Aplausos para Neschling
No final da noite, depois da
"Suíte nš 3" de Bach (1685-1750)
-cuja famosa "Ária na Corda
Sol" serve de modelo para a
"Ária" das "Bachianas nš 5"-, o
violoncelista voltou para um bis:
as "Bourrées" da "Terceira Suíte"
para cello solo de Bach. Foram dedicadas por Meneses ao maestro
Neschling, aplaudido de pé pela
orquestra e pela platéia. Numa semana em que orelhas ferveram na
praça Mauá e as linhas da internet
estavam a ponto de pegar fogo,
com o fuxico sobre as negociações
difíceis para a renovação do contrato do maestro, o gesto foi mais
do que claro. Antes disso, o maestro Minczuk já fizera menção, discretamente sublinhada, ao "diretor artístico" da Osesp: "John
Neschling".
Foi bem significativo, vindo de
um regente que chega ele mesmo
ao fim do ano com resenhas consagradoras na Europa e nos Estados Unidos. Em sites ingleses de
música clássica, foi comparado
"ao jovem Furtwangler" e a Celibidache -coisa que um crítico
brasileiro jamais poderia dizer
sem ser acusado de exagero.
Nos EUA, foi capa da "Playbill"
de novembro com a programação
da Filarmônica de Nova York
-cujo site estampa a seguinte sequência de nomes: Lorin Maazel,
Roberto Minczuk, Leonard
Bernstein, Kurt Masur.
O que há de mais forte nas "Bachianas" da Osesp com Minczuk
diz respeito à sobreposição de texturas e tempos. Num plano, fica a
exuberância solar de Villa, que
consome o universo. No outro,
intimidades lunares, um tipo quase calado de inteligência do coração. Getulismos desaparecem
nessa música moderna e eterna.
A soprano norte-americana
Donna Brown cantou lindamente
a "Ária" das "Bachianas nš 5" "sobre o espaço sonhadora e bela",
em especial na última seção. Pena
o agudo final. Já a "Dança" não
parecia ter chegado ainda aonde
quer. Será crime de lesa-majestade chamar uma cantora de fora
para cantar as "Bachianas"? Talvez, mas a Osesp sempre defendeu o Brasil sem provincianismos.
Nesse mesmo espírito, que se
arranje logo uma solução para os
impasses da orquestra. Março está aí e ninguém pode pôr em risco
a continuidade do maior projeto
de música clássica de que já se teve notícia no país.
Avaliação:
Texto Anterior: Eletrônica: Feira de DJs põe à mostra cena nacional Índice
|