São Paulo, sábado, 16 de setembro de 2006

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Mostra destaca técnica da foto-pintura

Cerca de 60 imagens apresentam a arte popular do retrato em fotos pintadas e lambe-lambe na Pinacoteca do Estado

Técnica de colorir a superfície da imagem, tornando-a um híbrido entre foto e pintura, sobrevive ainda hoje


EDER CHIODETTO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Houve um tempo em que as cores do mundo eram traduzidas unicamente em preto-e-branco na fotografia. Munidos de pincel e muita técnica, alguns artesãos resolveram mudar isso e passaram a colorir a superfície da imagem, tornando-a um híbrido entre fotografia e pintura. A mostra "Retrato Popular", aberta hoje na Pinacoteca do Estado, surpreende ao mostrar que tal técnica resiste até a atualidade.
A foto-pintura é, de modo geral, uma pintura colorida feita à mão sobre uma ampliação fotográfica, geralmente um 3 x 4 em preto-e-branco ampliado, com o intuito de transformar e embelezar a imagem original sem, no entanto, perder a verossimilhança com o retratado.
Essa era a única forma de se obter uma imagem em cor, até 1935, quando o filme colorido chega ao grande público com a invenção do Kodachrome. No interior do Nordeste brasileiro há ainda, nas cidades mais retiradas, onde a fotografia digital ainda não faz parte da rotina, diversos artesãos que seguem desenvolvendo essa técnica.
A extinção dessa forma de representação, porém, é iminente. Por causa da popularização da fotografia digital, as indústrias estão deixando de produzir o papel fotográfico que atende a essa demanda.
"Creio que o fato da foto-pintura ter resistido nesses locais até hoje se deva ao fator econômico, mas não só", diz a pesquisadora Rosely Nakagawa, que compartilha a curadoria da mostra com Titus Tiedl e Valéria Laena. "O retrato pintado atende a um desejo da pessoa se ver numa pintura, uma forma de representação que ainda parece mais nobre que a fotografia", completa.
O retrato pintado pode ter finalidades bem curiosas, como fazer com que pessoas que morreram e possuíam apenas retratos em preto-e-branco apareçam agora com as faces coradas e roupas elegantes. "Há a história de um casal que era católico e se tornou evangélico após o casamento. Eles levaram a foto do casamento para um pintor que refez o retrato tirando o véu e as jóias da noiva", conta Nakagawa. A foto-pintura não deixa de ser, portanto, a antecessora do Photoshop.
Um dos destaques da mostra é o módulo dedicado aos auto-retratos de Telma Saraiva, que desde a década de 40 se dedica à fotografia pintada no Crato, Ceará. Para mostrar a seus clientes como é possível deixar as pessoas mais bonitas, eliminando traços indesejados como olheiras e espinhas e melhorando o semblante do cliente tal qual ele deseja, Saraiva pintou seus auto-retratos fotográficos no qual aparece de forma bastante diferente entre eles, sem, no entanto, ficar irreconhecível. Imperdível.
Sem ter claramente a intenção, tanto os auto-retratos de Saraiva quanto a produção dos outros foto-pintores se aliam ao debate contemporâneo sobre realidade e mistificação na fotografia, ao mesmo tempo em que nos lembram que os retratos da nobreza feitos por pintores na era pré-fotografia não passam de imagens idealizadas, na qual o retratado dizia como deveria ser imortalizado.
O que vemos nos museus e cada vez mais nas fotografias são ficções transformadas em documentos.


RETRATO POPULAR - COLETIVA
Quando:
de ter. a dom., das 10h às 18h; abre hoje, às 11h, com debate sobre fotografia popular, até 5/11
Onde: Pinacoteca do Estado (pça. da Luz, 2, tel. 3229-9844)
Quanto: R$ 4 e grátis aos sábados


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