São Paulo, segunda-feira, 16 de dezembro de 2002

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CINEMA

Italiano leva às telas a saga de Impastato, morto em 78 pela Máfia; por duas décadas, crime foi tido como suicídio

Giordana refaz passos de rebelde italiano

Divulgação
Cena do filme "Os Cem Passos", do diretor italiano Marco Tullio Giordana, que, baseado em história real, retoma o tema da Máfia


FRANCESCA ANGIOLILLO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Ninguém pode censurar o ar, acreditavam Peppino Impastato e seus companheiros, ao fundarem uma rádio de protesto no vilarejo siciliano de Cinisi.
A história narrada em "Os Cem Passos", que estreou na última sexta, pareceria vulgar -apenas mais uma insuflada pelos ventos de revolta do fim dos anos 60-, não fosse por dois detalhes: 1) o alvo principal do grupo era a poderosa Máfia, à qual a família do protagonista estava ligada, até fisicamente, vivendo a meros cem passos da casa do "capo"; 2) a história é real e não teve final feliz.
Em entrevista à Folha, por e-mail, o diretor milanês Marco Tullio Giordana, 52, se assume também um idealista. É com mesma crença romântica de seu personagem que ele fala de suas razões para levar às telas a história de Impastato, morto pela Máfia aos 30 anos, em 1978, num crime que por duas décadas foi oficialmente tido como suicídio.

Folha - De onde veio a idéia de contar a história de Impastato?
Marco Tullio Giordana -
A história me fascinou porque não é simplesmente a de um herói que combate o mal, sozinho contra todos. Peppino era filho de um pequeno mafioso; sua revolta é, antes de tudo, contra seu próprio sangue. O conflito com o mundo externo vem após a escolha, dolorosíssima, de não assumir o pai como modelo, de dever, antes, combatê-lo como um inimigo.

Folha - O fato de o homicídio do líder da Democracia Cristã, Aldo Moro, ter ofuscado a morte de Peppino, descoberta no mesmo dia, foi um motor para contar a história?
Giordana -
Na época eu tinha 28 anos. Lembro bem da enorme impressão que causou o assassinato de Aldo Moro e também daquela pequena notícia, poucas linhas nas últimas páginas dos jornais, dando conta daquele estranho "suicídio". A coisa me pareceu pouco crível e tentei saber mais. Mas a morte de Moro apagou a curiosidade sobre aquele rapazinho siciliano. Quis escrever, então, as páginas que não pude ler.

Folha - O sr. não gosta do rótulo "cinema político", mas dirigiu um filme sobre Pasolini ("Pasolini: um Delito Italiano", de 1995) e, agora, este, no qual cita Francesco Rosi, conhecido por seus filmes investigativos. Como o sr. se posiciona em relação a esses mestres?
Giordana -
Eu não gosto da definição de "cinema político" porque me parece reducionista. Um artista se inspira nos homens e mulheres, conta suas derrotas e alegrias. A soma de todas essas histórias é a "História", com "h" maiúsculo. Nesse sentido, o grande cinema italiano, de Rosi, Pasolini, De Sica, Visconti, Rossellini, e outros, foi para mim um exemplo de rigor e, sobretudo, de poesia.

Folha - Apesar de este não ser "outro filme sobre a Máfia", o tema é caro ao cinema. O sr. acha que essa presença repetitiva seja útil para mudar o estado das coisas?
Giordana -
Responderei com uma velha fórmula: o otimismo da vontade contra o pessimismo da razão. Nesta ambivalência se encerra o desafio que todo intelectual ou artista lança a si mesmo. Eu sei que será difícil vencer a Máfia, a corrupção, a violência e o terror, mas não poderia ter esse ofício se não para contribuir, na minha pequeneza, para essa luta.

Folha - O sr. acredita que hoje, na Itália de Berlusconi e diante de seu poder nos meios de comunicação, exista liberdade de expressão para bradar a verdade?
Giordana -
O monopólio da comunicação, a concentração de jornais e TVs em poucas mãos e o domínio do consenso são o desafio das democracias modernas. A liberdade de expressão desaparece quando o patrão é um só. Hoje meu país corre um perigo muito grave, mesmo que muitos ainda não queiram se dar conta.


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