São Paulo, sábado, 18 de março de 2006

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Pinacoteca inaugura hoje três mostras de fotografias

EDER CHIODETTO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Três incursões fotográficas, três formas de trair a já combalida idéia de objetividade das imagens técnicas, permeiam as mostras "Boa Noite, Paulicéia!", de Eduardo Muylaert, "A Língua das Coisas", de Roberta Dabdab, e "Raízes", de Galileu Garcia Júnior, que serão abertas hoje na Pinacoteca do Estado, na Luz.
Muylaert e Garcia Júnior exibem duas abordagens sobre a cidade, enquanto Dabdab realiza uma viagem de descobertas pelo interior das casas em que viveu nos últimos anos.
Em "Boa Noite, Paulicéia!", Muylaert dá seqüência ao seu trabalho de retratar cidades, como já havia feito em seu livro "O Espírito dos Lugares". As cerca de 70 imagens que integram a mostra foram obtidas no espaço de apenas uma noite rodando pelo centro e arredores de São Paulo.
As imagens em preto-e-branco surgem com forte granulação, formando um grande ruído, que resulta na recusa de uma abordagem documental para filiar-se a uma tradição pictórica de busca de atmosferas. O trabalho ganha em intensidade quando enfoca detalhes da urbe, como janelas por onde escapam luzes tênues ou em cenas mais sombrias que geram um embotamento da nossa percepção imediata.
Nestas últimas resta sobre o papel fotográfico o testemunho da quase impossibilidade da captura da cidade devido à densidade da sombra da noite. Resulta num curioso jogo de evocação e ocultação tanto da cidade imaginária criada pelo autor como da própria práxis fotográfica. A cidade segredada, construída por grãos de prata, existente só na fotografia e na imaginação que ela ativa, é muito mais pulsante e expressiva que a cidade real. Por isso o trabalho perde a força quando enfoca locais mais conhecidos e mais iluminados, como o Minhocão. A revelação do referente obstrui a incursão pela cidade imaginária.
Na série "Raízes", Garcia Júnior retrata a convivência por vezes cruel entre a natureza e o concreto na cidade de São Paulo, sem deixar de perceber um romantismo contido nesta relação inusitada.
Em "A Língua das Coisas", Dabdab olha o interior de sua casa como alguém que também circula por uma cidade revelando ora a intimidade do convívio com os objetos do seu entorno, ora o estranhamento gerado pela composição fotográfica. Trata-se de uma mostra que consegue alinhavar de forma poética esses fragmentos aparentemente desconexos.
A unidade surge da exploração precisa da luz e da originalidade dos enquadramentos sem devaneios. É uma veradeira ode ao olhar, capacidade de perceber as formas e a luz naquilo que está o tempo todo presente e que normalmente é apagado da nossa visão pela excessiva proximidade. Assim, os fios de cabelos no azulejo do banheiro e os brinquedos dos filhos soltos no chão da sala ganham uma dimensão inesperada. O registro contido, o enquadramento clássico e o repouso dos objetos remetem a um silêncio. O silêncio de quem, se observando, observa o mundo com olhos renovados e o reinventa a golpes de luz.


Mostras de Eduardo Muylaert, Roberta Dabdab e Galileu Garcia Júnior
Quando:
ter. a dom., das 10h às 18h; abre hoje, das 11h às 14h; até 14/5
Onde: Pinacoteca do Estado (pça. da Luz, 2, Luz, tel. 3229-9844)
Quanto: R$ 4 (grátis aos sáb.)


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