INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA

O bailarino Ismael Ivo apresenta hoje e amanhã seu solo "Mapplethorpe", criado para a Bienal de Veneza, em 2002. Segundo ele, foi o solo que o levou mais tarde a ser o curador de dança da Bienal.
Ivo já trabalhara em reinterpretações de outros ícones das artes mundiais, como Francis Bacon, Artaud e Michelangelo. Conheceu Robert Mapplethorpe (1946-1989) em meados dos anos 80, quando vivia em Nova York. Foi um acaso: "Eu não tinha idéia de quem era ele naquele dia". Ao acompanhar uma amiga que ia entrevistar o fotógrafo, descobriu a forte estética negra masculina e de conteúdo sexual.
Ao final desse primeiro encontro, Mapplethorpe pediu para fotografá-lo. "Percebendo meu medo, ele imediatamente me assegurou: "Você não precisa ficar nu. Tire só a blusa, por favor'". Atrás da câmera, ele indicava os movimentos. "Ele não estava me fotografando e sim coreografando."
Mapplethorpe é tido hoje como um mestre da fotografia em preto-e-branco. E o solo de Ivo é, na verdade, "um espetáculo de fotografias em movimento, de sobreposição de imagens e idéias".
Outras questões também estão presentes na cena, como a marcha dos negros em Washington. "Segundo a Anistia Internacional, em torno de 40% dos homens negros americanos, na faixa entre 16 e 25 anos, estão na prisão. Meu solo, então, é um diálogo com a perspectiva do fotógrafo, sem anular um aspecto social de hoje."
O espetáculo tem três partes: "Prisão", "Flores" e "Mortalidade". A música é de Steve Reich e Puccini, e o cenário, de Marcel Kaskeline. As flores, que Mapplethophe tanto fotografou, também aparecem: "Os lírios são de certo modo mais eróticos que o nu".