São Paulo, sábado, 18 de agosto de 2001

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CRÍTICA

Ela ainda é a maior das mulheres no samba

DA REPORTAGEM LOCAL

É preciso lembrar sempre, porque essa história nunca cansa de acontecer: "Nasci pra Sonhar e Cantar" só existe em toda a sua integridade porque é uma iniciativa de fora para dentro. Para as excelentíssimas gravadoras brasileiras, dona Ivone Lara continua valendo muito pouco.
Quer provas? Antes de agora, ela só gravara seis discos em 79 anos de vida, o primeiro deles quando já tinha 56 anos. Não lançava um disco de músicas inéditas fazia 16 anos. Nesse intervalo, só fez um CD, pela Sony, "Bodas de Ouro" (97), naquele esquema viciado de regravações em duetos com convidados.
Iniciativa do produtor de Cesaria Evora -e alguém há de dizer que esse âmbito é do anticomercialismo?-, "Nasci pra Sonhar e Cantar" oferece um lote espetacular de canções inéditas, o que desmente qualquer dessas alegações e convenções exasperantes das gravadoras brasileiras.
O disco anda circulando pelo mundo e poderia nem passar por aqui se não fosse o interesse do pequeno selo Natasha, que executou o "sacrifício" de licenciá-lo e distribuí-lo no Brasil. É selo sem alcance de distribuição e com poucos recursos para potencializar o mais bem realizado disco da história da maior mulher sambista viva no início do século 21. Fecha-se o círculo feio da atual indústria musical nacional.
O que não se fecha nem se esgota, no entanto, é a força criativa de dona Ivone Lara, 79, mais forte compositora que cantora, mas soberba cantora assim mesmo.
Por entre quatro (belas) regravações -de "Tendência" (sucesso com Beth Carvalho em 81), "Sereia Guiomar", "Chorei Confesso" e da faixa-título-, insinua-se uma abundância de novas e inspiradas composições.
O samba corre no fio de coros de pastoras e da percussão de repiques, pandeiros, ganzás, tantãs e outros tantos, raras vezes tão ressaltados e evidenciados quanto agora em discos daqui. Exemplos fortes estão em "Deus Está te Castigando", "Chorei Confesso", "Essência de um Grande Amor" (com garboso acordeão bem lá ao fundo) e na descontraída "Um Grande Sonho".
O tom melancólico de dona Ivone e seus parceiros é uma constante, mas vem exacerbado nas faixas mais tristes, como "Nasci pra Sonhar e Cantar", "Nas Asas da Canção" e "Poeta Sonhador", ou até na pândega melancólica de "Ela É a Rainha".
Destaques que saem, mais ou menos, do pique do CD inteiro se dão na absurda "Agora", de clima de coreto de interior e cuíca chorosa lá no coração da canção, e na leitura de "Sereia Guiomar", que de início até parece convertida em world music, mas acaba na mais nítida belezura de evocação indireta a Clara Nunes.
Falta de música inédita, esgotamento criativo, envelhecimento? Ora, ora, quanta bobagem.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)


Nasci pra Sonhar e Cantar
    
Artista: Dona Ivone Lara
Lançamento: Lusafrica/Natasha
Quanto: R$ 25, em média



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