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CRÍTICA
Ela ainda é a maior das mulheres no samba
DA REPORTAGEM LOCAL
É preciso lembrar sempre,
porque essa história nunca
cansa de acontecer: "Nasci pra Sonhar e Cantar" só existe em toda a
sua integridade porque é uma iniciativa de fora para dentro. Para
as excelentíssimas gravadoras
brasileiras, dona Ivone Lara continua valendo muito pouco.
Quer provas? Antes de agora,
ela só gravara seis discos em 79
anos de vida, o primeiro deles
quando já tinha 56 anos. Não lançava um disco de músicas inéditas
fazia 16 anos. Nesse intervalo, só
fez um CD, pela Sony, "Bodas de
Ouro" (97), naquele esquema viciado de regravações em duetos
com convidados.
Iniciativa do produtor de Cesaria Evora -e alguém há de dizer
que esse âmbito é do anticomercialismo?-, "Nasci pra Sonhar e
Cantar" oferece um lote espetacular de canções inéditas, o que desmente qualquer dessas alegações
e convenções exasperantes das
gravadoras brasileiras.
O disco anda circulando pelo
mundo e poderia nem passar por
aqui se não fosse o interesse do
pequeno selo Natasha, que executou o "sacrifício" de licenciá-lo e
distribuí-lo no Brasil. É selo sem
alcance de distribuição e com
poucos recursos para potencializar o mais bem realizado disco da
história da maior mulher sambista viva no início do século 21. Fecha-se o círculo feio da atual indústria musical nacional.
O que não se fecha nem se esgota, no entanto, é a força criativa de
dona Ivone Lara, 79, mais forte
compositora que cantora, mas soberba cantora assim mesmo.
Por entre quatro (belas) regravações -de "Tendência" (sucesso com Beth Carvalho em 81),
"Sereia Guiomar", "Chorei Confesso" e da faixa-título-, insinua-se uma abundância de novas
e inspiradas composições.
O samba corre no fio de coros
de pastoras e da percussão de repiques, pandeiros, ganzás, tantãs
e outros tantos, raras vezes tão
ressaltados e evidenciados quanto
agora em discos daqui. Exemplos
fortes estão em "Deus Está te Castigando", "Chorei Confesso", "Essência de um Grande Amor"
(com garboso acordeão bem lá ao
fundo) e na descontraída "Um
Grande Sonho".
O tom melancólico de dona Ivone e seus parceiros é uma constante, mas vem exacerbado nas
faixas mais tristes, como "Nasci
pra Sonhar e Cantar", "Nas Asas
da Canção" e "Poeta Sonhador",
ou até na pândega melancólica de
"Ela É a Rainha".
Destaques que saem, mais ou
menos, do pique do CD inteiro se
dão na absurda "Agora", de clima
de coreto de interior e cuíca chorosa lá no coração da canção, e na
leitura de "Sereia Guiomar", que
de início até parece convertida em
world music, mas acaba na mais
nítida belezura de evocação indireta a Clara Nunes.
Falta de música inédita, esgotamento criativo, envelhecimento?
Ora, ora, quanta bobagem.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)
Nasci pra Sonhar e Cantar
Artista: Dona Ivone Lara
Lançamento: Lusafrica/Natasha
Quanto: R$ 25, em média
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