DA REPORTAGEM LOCAL

A companhia teatral precisava de um local para apresentar a peça: um banheiro público. Foi mais difícil consegui-lo do que concebê-la. Da lista de 15 espaços da subprefeitura da Sé, pelo menos metade estava desativada. O "palco" escolhido foi o banheiro da galeria do viaduto do Chá, no centro, um dos que foram fechados.
É lá que estréia hoje o espetáculo "Evangelho para Lei-gos", assim, com hífen, escrito e dirigido por Evil Rebouças, projeto experimental da cia. Artehúmus de Teatro, criada em 1987.
A eleição de um banheiro público não é por acaso. "Serve como metáfora do espaço para onde a sociedade empurra os seus marginalizados, um depósito de lixo", diz Rebouças, 39.
O texto embaralha personagens bíblicos, como Jesus e Maria, aos tipos comuns, excluídos, que mesmo colocados à margem são submetidos a leis rigorosas, sejam civis ou religiosas.
Jesus é desdobrado em três. Há o Jesus que é assistente social; há outro que é policial. E há o terceiro, o Jesus 1, o mais comum deles. Eles transitam pelas realidade crua das vizinhas e da figura materna de Maria, interpretada pela atriz convidada Gilda Vandenbrande.
Rebouças começou a escrever a peça em 2000, a partir de um desafio lançado na Escola Livre de Teatro de Santo André, onde freqüentava. Seu grupo, com alguns dos integrantes incluídos no atual elenco, elegeu o tema da morte para desenvolver uma experiência com dramaturgia (sob coordenação de Luís Alberto de Abreu) e interpretação (Antônio Araújo).
Em processo colaborativo, Rebouças espichou o foco para tratar de "morte social". Vem daí o aprofundamento, dois anos depois, quando pesquisa de campo o levou à favela Zacchi Narchi, em Santana (zona norte), cuja população foi vítima de um incêndio em 2002.
O autor colheu depoimentos de moradores entre aquelas cerca de 300 famílias. O retrato, diz, é de "enclausuramento social".
"Nesse espaço de restos e cheios insalubres, os personagens são mostrados por trás das portas dos box do banheiro, aparecendo apenas pedaços de imagens dos seus corpos nos vão superiores e inferiores das portas", diz Rebouças. O projeto tem apoio da Prefeitura. (VS)