São Paulo, sábado, 18 de setembro de 2004

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"ARENA CONTA DANTON"

Bonassi reatualiza texto de Büchner

SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

Na iminência de ser preso por atividades subversivas, Georg Büchner (1813-1837) escreve aos 21 anos, e em cinco semanas, a sua primeira peça: "A Morte de Danton", narração dos últimos dias desse artífice da Revolução Francesa, que 40 anos antes havia sido guilhotinado por se opor ao terrorismo de Estado de seu ex-companheiro Robespierre. O texto impressiona pela atualidade. Despojando seus personagens da retórica idealista que havia em Schiller, Büchner evita o maniqueísmo ideológico ao apresentar fatos com crueza. Desiludido, mas sem fugir de sua responsabilidade histórica, Danton enfrenta não a injustiça, mas o nada, o absurdo da existência. Quem morre não é ele: é a Revolução.
Rebatizando o texto como "Arena Conta Danton" a cia. Livre reatualiza a insolência de Büchner de desmistificar os heróis da geração precedente, sem lhes tirar a grandeza, muito pelo contrário. Salta ao olhos antes de tudo a referência ao "Arena Conta Tiradentes" com o qual Augusto Boal resistia à ditadura militar.
A cia. Livre dobra a aposta, portanto: trata-se aqui não somente de revitalizar o conteúdo de Büchner mas a forma de Boal, o "sistema Coringa", pelo qual os atores se revezando nos personagens promoveriam um distanciamento necessário à reflexão sobre os fatos históricos. A adaptação de Fernando Bonassi remove as referências originais à história Francesa e do Império Romano, substituindo-as por ecos inevitáveis da atualidade. É impossível, por exemplo, que diante da menção ao terror de Setembro de 1793 não se pense na queda do World Trade Center, que levou ao Terrorismo de Estado atual. Ou na troca de posições políticas depois da vitória de Lula, com suas feridas abertas em tempos de eleição.
A encenadora Cybele Forjaz, junto à cenógrafa e figurinista Simone Mina, traçam estratégias eficazes para que a urgência do texto seja vivenciada pelo público. Não é permitida a indiferença: a platéia é dividida entre a ala preta, dos indulgentes que morrem, e a branca, dos puros que matam -e já na bilheteria se faz a escolha. Para evitar o maniqueísmo, no entanto, entre cada ato gira-se a roleta no meio do palco e atores podem inverter funções: quem faz Danton fará Robespierre, quem faz Camille Desmoulins fará Saint Just.
Nada disso seria suficiente se não houvesse atores capazes de enfrentar o desafio. Sem perder a clareza das motivações de cada lado, ao trocar de cor cada ator mantém carisma específico: Luciano Chirolli (Danton/ Robespierre) tem desenvoltura quase cínica de suas emoções, em contraste com a vulnerabilidade de seu oposto Eucir de Souza; a apaixonada Tatiana Thomé (Camille/ Saint Just) é complementar à precisa Luah Guimarãez.
Assim, simbolicamente completando a forma de Arena da platéia, a cia. Livre revitaliza e supera o teatro que ocupa, já que a urgência não está mais no inevitável engajamento partidário dos anos 60, mas, aberta, na retomada da reflexão em cena pelo ator. E que seja permitido ao crítico fugir da análise fria para se juntar no calor da hora à palavra de ordem da cia. Livre: a revolução morreu; viva a revolução.


Arena Conta Danton
    
Direção: Cibele Forjaz
Com: cia. Livre
Onde: teatro de Arena Eugênio Kusnet (r. Teodoro Baima, 94, SP, tel. 3256-9463)
Quanto: contribuição voluntária
Quando: qui. e sáb., às 21h; dom., às 19h; até 19/12



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