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"ARENA CONTA DANTON"
Bonassi reatualiza texto de Büchner
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
Na iminência de ser preso
por atividades subversivas,
Georg Büchner (1813-1837) escreve aos 21 anos, e em cinco semanas, a sua primeira peça: "A Morte de Danton", narração dos últimos dias desse artífice da Revolução Francesa, que 40 anos antes
havia sido guilhotinado por se
opor ao terrorismo de Estado de
seu ex-companheiro Robespierre.
O texto impressiona pela atualidade. Despojando seus personagens da retórica idealista que havia em Schiller, Büchner evita o
maniqueísmo ideológico ao apresentar fatos com crueza. Desiludido, mas sem fugir de sua responsabilidade histórica, Danton enfrenta não a injustiça, mas o nada,
o absurdo da existência. Quem
morre não é ele: é a Revolução.
Rebatizando o texto como
"Arena Conta Danton" a cia. Livre reatualiza a insolência de
Büchner de desmistificar os heróis da geração precedente, sem
lhes tirar a grandeza, muito pelo
contrário. Salta ao olhos antes de
tudo a referência ao "Arena Conta
Tiradentes" com o qual Augusto
Boal resistia à ditadura militar.
A cia. Livre dobra a aposta, portanto: trata-se aqui não somente
de revitalizar o conteúdo de
Büchner mas a forma de Boal, o
"sistema Coringa", pelo qual os
atores se revezando nos personagens promoveriam um distanciamento necessário à reflexão sobre
os fatos históricos. A adaptação
de Fernando Bonassi remove as
referências originais à história
Francesa e do Império Romano,
substituindo-as por ecos inevitáveis da atualidade. É impossível,
por exemplo, que diante da menção ao terror de Setembro de 1793
não se pense na queda do World
Trade Center, que levou ao Terrorismo de Estado atual. Ou na troca de posições políticas depois da
vitória de Lula, com suas feridas
abertas em tempos de eleição.
A encenadora Cybele Forjaz,
junto à cenógrafa e figurinista Simone Mina, traçam estratégias
eficazes para que a urgência do
texto seja vivenciada pelo público.
Não é permitida a indiferença: a
platéia é dividida entre a ala preta,
dos indulgentes que morrem, e a
branca, dos puros que matam -e
já na bilheteria se faz a escolha.
Para evitar o maniqueísmo, no
entanto, entre cada ato gira-se a
roleta no meio do palco e atores
podem inverter funções: quem
faz Danton fará Robespierre,
quem faz Camille Desmoulins fará Saint Just.
Nada disso seria suficiente se
não houvesse atores capazes de
enfrentar o desafio. Sem perder a
clareza das motivações de cada lado, ao trocar de cor cada ator
mantém carisma específico: Luciano Chirolli (Danton/ Robespierre) tem desenvoltura quase
cínica de suas emoções, em contraste com a vulnerabilidade de
seu oposto Eucir de Souza; a apaixonada Tatiana Thomé (Camille/
Saint Just) é complementar à precisa Luah Guimarãez.
Assim, simbolicamente completando a forma de Arena da platéia, a cia. Livre revitaliza e supera
o teatro que ocupa, já que a urgência não está mais no inevitável
engajamento partidário dos anos
60, mas, aberta, na retomada da
reflexão em cena pelo ator. E que
seja permitido ao crítico fugir da
análise fria para se juntar no calor
da hora à palavra de ordem da cia.
Livre: a revolução morreu; viva a
revolução.
Arena Conta Danton
Direção: Cibele Forjaz
Com: cia. Livre
Onde: teatro de Arena Eugênio Kusnet
(r. Teodoro Baima, 94, SP, tel. 3256-9463)
Quanto: contribuição voluntária
Quando: qui. e sáb., às 21h; dom., às
19h; até 19/12
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