São Paulo, segunda-feira, 19 de janeiro de 2004

Próximo Texto | Índice

SHOW/CRÍTICA

Três gerações da família Assad são reunidas em espetáculo com músicas de Pixinguinha e Egberto Gismonti

Quando o passado ensina a ouvir a vanguarda

ARTICULISTA DA FOLHA

Os irmãos Assad começam por onde os outros nem teriam coragem de terminar. Sexta-feira, no Sesc Vila Mariana, entraram em campo, o juiz apitou e eles atacaram direto o "Baião Malandro", de Egberto Gismonti (do disco "Carmo", de 1977). Mal cabe no piano, quanto mais em dois violões. Mas os Assad são craques nesse tipo de adaptação e tocam fusas para cima e para baixo como se não fosse nada.
Mais bonito que tudo não é a rapidez, mas o tempo. Quando uma canção começa, já se está noutro domínio da vida. Seja tocando em duo, seja com a irmã Badi (outra violonista excepcional, além de excepcional cantora), os filhos estreantes Clarisse (piano e voz), Carolina (voz) e Rodrigo (voz, violão), e os estreantes pais, Jorge (bandolim) e Ica (voz), os irmãos Sérgio e Odair regem as coisas de dentro, até quando não estão no palco.

Misturas
O espírito vivo da música encanta tudo o que a família faz. São claras as diferenças, mas o DNA é dos bons. Quem ainda não tinha ouvido Badi, por exemplo, terá ficado de queixo caído: uma odalisca pós-moderna, entoando multifônicos com delicadeza e dedilhando lindamente o violão. De pé (ela) ou deitado (ele). Nesse último caso, trespassado por uma barra sob as cordas, o violão transforma-se numa cítara, de afinação aberratória; e Badi canta seus acalantos enquanto pinça sóis bem temperados, à sombra dos caracóis do seu cabelo.
Com as duas sobrinhas, cantou "Jóia", genial miniatura de Caetano Veloso (de 1975). À capela, cheia de harmonias dissonantes sustentadas. Nesse tipo de recuperação do cancioneiro (chegando até coisas como a valsa "Rosa", de Pixinguinha, de 1937, e "Doce de Coco", de Jacob do Bandolim, 1967, mais Edu Lobo, Chico etc.) está a razão de ser do projeto, combinado com a apresentação da moçada -uma bela canção da fluente pianista Clarisse, inspirada nos arpejos do segundo movimento do "Concerto n. 2" de Rachmaninoff, e um funk anos 90 de Rodrigo, entre outras.
O difícil é dar liga na mistura. Em parte, ela é extramusical: tudo foi feito também para congregar a família, convergindo para os grandes números finais, com o lindo casal de avós mandando ver junto com os netos. Seu Jorge de chinelos, orgulhoso dos filhos, solando o bandolim sem pretensão. E dona Ica ao lado: "traça tudo", como ela mesma cantou, com maroto sorriso e vibrato.
Mas afinal, se a música aqui serve à família, tanto ou mais do que o contrário, isso vira virtude. Nada foi feito à pressas, os ajustes de repertório são previsíveis, e a família fazendo música é uma beleza. (ARTHUR NESTROVSKI)


Avaliação:    


Próximo Texto: Cinema/crítica: História precisava ser contada, mas escorre pelo ralo
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.