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"S1M0NE"
Sátira é fake como a protagonista
Divulgação
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Al Pacino e Rachel Roberts em cena do longa-metragem "S1m0ne", que pretende satirizar o mundo de mentiras de Hollywood |
TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA
O personagem de Al Pacino, Viktor Taransky, é um
cineasta com a imagem tão desgastada quanto a do ator que o interpreta. Outrora de carreira promissora, vencedor do Oscar de
curtametragista, Taransky ganhou fama de excêntrico demiurgo, vendo-se marginalizado em
Hollywood.
Para piorar, o mais acalentado
projeto de Taransky está indo por
água abaixo, minado pelos caprichos incessantes de uma estrela tirânica (Winona Ryder).
Mas, quando tudo parece perdido, surge Simone, a abreviatura
de "simulation one" (simulação
um), um programa de computador que um hacker misantropo e
moribundo lega a Taransky. O
programa permite a Taransky
transformar-se no Pigmalião da
nova estrela, uma musa digital.
O fato é que ninguém consegue
perceber que Simone é uma criação digital. A premissa se revela
tão inverossímil e improvável na
prática -uma vez que a atriz digital do filme está longe de nos
convencer de sua humanidade-
quanto as situações decorrentes.
"Eu sou a morte do real", tenta
nos convencer Simone. A realidade virtual e a digitalização da imagem jogaram por terra, de fato, a
crença no caráter eminentemente
ontológico da imagem cinematográfica, mas ainda não passam de
um subproduto da antiquíssima
tradição ilusionista da qual o próprio cinema descende.
Natural que, em "S1m0ne", Taransky acabe por se tornar um
ilusionista barato com um truque
dos mais rentáveis. Curioso é ouvi-lo falar saudoso dos "tempos
de (John) Cassavetes". Taransky
faz o exato oposto de Cassavetes:
enquanto o gênio novaiorquino
dedicava os seus filmes à revelação de um corpo e de sua gestualidade, Taransky dedica-se à ocultação de um corpo, espalhando
falsas evidências.
Em suas fantasias de diretor totalitarista, Taransky acaba escravo de sua criatura. Andrew Niccol, roteirista, produtor e diretor
de "S1m0ne", ambiciona satirizar
o "mundo de mentiras" de Hollywood, mas só consegue um subproduto tão "fake" quanto sua
protagonista. A sátira em Hollywood parece ter morrido com
Preston Sturges e Billy Wilder.
"S1m0ne"
Idem
Produção: EUA, 2002
Direção: Andrew Niccol
Com: Al Pacino, Rachel Roberts
Onde: nos cines Anália Franco, Extra
Anchieta e circuito
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