São Paulo, Domingo, 19 de Dezembro de 1999 |
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"Apocalipse 1,11" fecha a trilogia da década
da Reportagem Local Uma das passagens de maior intensidade e impacto, entre as muitas de "Apocalipse 1,11", lembra uma cena de "O Livro de Jó", espetáculo anterior de Antônio Araújo: num corredor, os espectadores estão presos à parede e expostos aos gritos, à violência encenada dos carcereiros, levando corpos de detentos como carnes num frigorífico. A exemplo das outras peças desta que se configurou como uma trilogia inspirada na Bíblia, também aqui o espaço escolhido lança o espectador numa atmosfera de forte carga simbólica: são as celas, os pátios, os corredores do presídio do Hipódromo, do qual se contam horrores, desativado cinco anos atrás. Num cortejo opressivo, é o próprio público a fila dos detentos, levada de uma cena a outra -ou de uma estação a outra, de um horror a outro. "Apocalipse 1,11" espelha um fim de mundo que não poderia ser menos alegórico e, portanto, mais distanciado de seu modelo bíblico, o "Apocalipse de São João". O universo aqui é o dos presídios, das unidades da Febem, da Casa de Detenção -onde o grupo Teatro da Vertigem, do diretor Antônio Araújo, desenvolveu parte do espetáculo e até se integrou à comunidade. É também o universo da chamada "boca do lixo", suas boates decadentes, seu sexo degradado -a cena de sexo explícito no espetáculo, registre-se, é breve e perfeitamente integrada à trama; está longe de ser aquela de maior choque na apresentação. Pouco ou nada resta de formalista e de metafórico neste "Apocalipse 1,11" criado de maneira integrada pelos atores, pelo dramaturgo Fernando Bonassi e pelo diretor. É uma peça feita pelo homem, sobre o homem. Jesus Cristo é um estranho, a quem não se deve aquilo tudo: aquilo se deve ao homem. Em perspectiva radicalmente humanista, o personagem de Cristo chega a pedir para que o deixem partir de uma vez por todas -é esse o final da trilogia bíblica do Teatro da Vertigem. O espectador deixa o presídio, encerrado o Juízo Final, uma das estações finais da peça, preso ao questionamento não de Deus, mas de si mesmo. "Apocalipse 1,11" encerra os desvarios de fé da década de 90 com a imagem de que Deus, se existe, não é a saída. Não diante do apocalipse cotidiano do Brasil. Um apocalipse que, em sua cena de fim de mundo, propriamente, vai dos vendilhões da fé na televisão ao racismo e à desigualdade social, em cenas cruas, até grotescas, nada ingênuas, integralmente realistas. Peça: Apocalipse 1,11 Dramaturgia: Fernando Bonassi Direção: Antônio Araújo Elenco: Roberto Áudio (Besta), Mariana Lima (Babilônia), Vanderlei Bernardino (João), Joelson Medeiros (Anjo Poderoso), Luís Miranda (Pastor Alemão) e outros Quando: hoje, às 20h, último ensaio aberto. Estréia em 14 de janeiro. Onde: presídio do Hipódromo (r. do Hipódromo, 600, tel. 9354-7321) Quanto: R$ 5 Próximo Texto: Em 92, "Paraíso Perdido" deu um grito neo-romântico Índice |
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