|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"KIRIKU E A FEITICEIRA"
Desenho ensina inconformismo
DENISE MOTA
Editora-assistente da Ilustrada
Desenho animado de tecnologia elementar, mas traços fortes,
"Kiriku e a Feiticeira" chega a São
Paulo com a autoridade de quem
venceu em 99 o Grande Prêmio
do Festival Internacional de Annecy, a mais importante competição em produções do gênero.
Não é por pouco. Em 70 minutos, o filme conta a história de um
garoto minúsculo, ágil e ousado
que, logo ao nascer, se incumbe
da missão de salvar a aldeia à qual
pertence da fome e do medo.
Em seu encalço, ele terá Karabá,
feiticeira que secou as fontes da
aldeia e usurpou as jóias de todas
as mulheres -e sobre a qual paira a suspeita de que tenha devorado os guerreiros locais, incluídos
o pai e os tios de Kiriku.
Baseado em contos da África
Ocidental, o desenho defende a
superioridade da inteligência e da
força moral e o inconformismo
como únicas armas para enfrentar as dificuldades, sem espaço
para mistificações.
Exemplos disso são a mãe de Kiriku, que, nos minutos iniciais do
longa, define Karabá como "alguém que precisa que acreditemos em ilusões" para fazer valer
seu poder. Ou o Sábio da Montanha -avô de Kiriku, a quem o
menino recorre-, que alerta para o fato de que "o mal só pode ser
destruído pela inteligência livre".
Não há os efeitos mirabolantes
da Disney, com animais que cantam e plantas em performances
de dança dignas de Fred Astaire.
Tampouco a África retratada aqui
é um local que lembre as savanas
alegres de "O Rei Leão".
"Kiriku", em seu traçado à moda antiga, pede e merece atenção
por levar para o mundo do desenho animado infantil um tratamento mais próximo de uma boa
aula de geografia do que das fábulas açucaradas.
Os conterrâneos de Kiriku, por
exemplo, vestem-se com trajes
sumários, e as mulheres estão o
tempo todo com seios à mostra.
Os personagens, de pele muito escura, têm os lábios grossos, os narizes achatados e os cabelos crespos, às vezes até pontiagudos, da
África real.
A trilha é assinada por Youssou
N'Dour, músico senegalês entre
os mais respeitados do continente
negro, responsável e mais conhecido por trabalhos como a batida
angustiante e compassada que
imprimiu em canções da trilha
sonora de Peter Gabriel para o filme "A Última Tentação de Cristo" ou por "Seven Seconds", hit
pop composto em parceria com
Neneh Cherry.
E, nessa aparente luta entre bem
e mal, não há lugar para o maniqueísmo, pois o pequeno herói da
história ainda descobre que até
mesmo Karabá, quem diria, é
passível de redenção.
"Kiriku" é um passeio pelo imaginário africano, narrado em voz
baixa e pausadamente, como os
"griots" (casta de cantores e narradores de lendas populares do
continente) gostam de fazer.
Avaliação:
Filme: Kiriku e a Feiticeira (Kirikou et la Sorcière)
Diretor: Michel Ocelot
Produção: França, Bélgica, Luxemburgo, 1998
Quando: a partir de hoje, no Espaço Unibanco de Cinema 2 e circuito
Texto Anterior: Atriz sabe escolher seus papéis Próximo Texto: Música: Violinista erudito namora a MPB Índice
|