São Paulo, quinta-feira, 20 de abril de 2000


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"KIRIKU E A FEITICEIRA"

Desenho ensina inconformismo

DENISE MOTA
Editora-assistente da Ilustrada

Desenho animado de tecnologia elementar, mas traços fortes, "Kiriku e a Feiticeira" chega a São Paulo com a autoridade de quem venceu em 99 o Grande Prêmio do Festival Internacional de Annecy, a mais importante competição em produções do gênero.
Não é por pouco. Em 70 minutos, o filme conta a história de um garoto minúsculo, ágil e ousado que, logo ao nascer, se incumbe da missão de salvar a aldeia à qual pertence da fome e do medo.
Em seu encalço, ele terá Karabá, feiticeira que secou as fontes da aldeia e usurpou as jóias de todas as mulheres -e sobre a qual paira a suspeita de que tenha devorado os guerreiros locais, incluídos o pai e os tios de Kiriku.
Baseado em contos da África Ocidental, o desenho defende a superioridade da inteligência e da força moral e o inconformismo como únicas armas para enfrentar as dificuldades, sem espaço para mistificações.
Exemplos disso são a mãe de Kiriku, que, nos minutos iniciais do longa, define Karabá como "alguém que precisa que acreditemos em ilusões" para fazer valer seu poder. Ou o Sábio da Montanha -avô de Kiriku, a quem o menino recorre-, que alerta para o fato de que "o mal só pode ser destruído pela inteligência livre".
Não há os efeitos mirabolantes da Disney, com animais que cantam e plantas em performances de dança dignas de Fred Astaire. Tampouco a África retratada aqui é um local que lembre as savanas alegres de "O Rei Leão".
"Kiriku", em seu traçado à moda antiga, pede e merece atenção por levar para o mundo do desenho animado infantil um tratamento mais próximo de uma boa aula de geografia do que das fábulas açucaradas.
Os conterrâneos de Kiriku, por exemplo, vestem-se com trajes sumários, e as mulheres estão o tempo todo com seios à mostra. Os personagens, de pele muito escura, têm os lábios grossos, os narizes achatados e os cabelos crespos, às vezes até pontiagudos, da África real.
A trilha é assinada por Youssou N'Dour, músico senegalês entre os mais respeitados do continente negro, responsável e mais conhecido por trabalhos como a batida angustiante e compassada que imprimiu em canções da trilha sonora de Peter Gabriel para o filme "A Última Tentação de Cristo" ou por "Seven Seconds", hit pop composto em parceria com Neneh Cherry.
E, nessa aparente luta entre bem e mal, não há lugar para o maniqueísmo, pois o pequeno herói da história ainda descobre que até mesmo Karabá, quem diria, é passível de redenção.
"Kiriku" é um passeio pelo imaginário africano, narrado em voz baixa e pausadamente, como os "griots" (casta de cantores e narradores de lendas populares do continente) gostam de fazer.


Avaliação:    


Filme: Kiriku e a Feiticeira (Kirikou et la Sorcière)
Diretor: Michel Ocelot
Produção: França, Bélgica, Luxemburgo, 1998
Quando: a partir de hoje, no Espaço Unibanco de Cinema 2 e circuito


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