São Paulo, sábado, 21 de junho de 2008

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Crítica/"A Questão Humana"

Drama francês de difícil assimilação vê sinais do nazismo no mundo atual

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

A avalanche da produção cultural em torno do nazismo (memórias, ensaios, romances, filmes de ficção e documentários) consolidou o mito do regime de exceção, com seus monstros destrutivos e a progressão da barbárie que bem sabemos ter culminado no Holocausto. À margem dessa tendência, "A Questão Humana" propõe outra interpretação do fato histórico, mais dolorosa no sentido em que nos diz respeito frontalmente.
Dirigido pelo francês Nicolas Klotz, o filme pretende ser uma releitura na qual o nazismo, longe de ter se concluído com a derrota alemã em 1945, emerge como uma matriz do nosso presente. Neste quadro, os princípios essenciais do totalitarismo estariam integrados nas formas dominantes da administração no mundo atual, no modo de controle do capitalismo sobre os corpos e comportamentos, em suma, na submissão e na disciplina necessárias para a execução de tarefas que visam a eficácia no regime de trabalho.
A obra acompanha o questionamento interior de um psicólogo, funcionário do setor de relações humanas de uma indústria, filial francesa de uma empresa alemã. Convocado pela chefia a decifrar o comportamento anômalo de um diretor, ele traz à tona um passado que evidencia o modelo dominante das relações no presente.
Se já não bastasse a dificuldade desta demonstração, Klotz insere ainda uma sucessão de metáforas, musicais, sobretudo, em que o simbolismo sobrepõe clássico e tecnológico, humano e desumano, ordem e destruição, encontros amorosos e solidão. Por meio de uma narrativa e de uma imagem frias, o filme se desloca da ênfase emocional e se concentra nas nuances da linguagem, nos significados subterrâneos de termos como "organização", "reestruturação" e "adaptação".
Enquanto tese, o valor de "A Questão Humana" é inquestionável em sua força de provocação. Já a forma adotada por Klotz se ressente da tendência do cinema francês de depender em demasia do discurso, o que torna sua assimilação um tanto complicada.


Avaliação: bom


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