São Paulo, sábado, 21 de outubro de 2006

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30ª Mostra de SP

"O Guardião" testa bordas do cinema

Com filme de estréia sobre guarda-costas, o argentino Rodrigo Moreno foi premiado em Berlim e ganhou atenção mundial

Cineasta, que diz ter atração por personagens laterais e desinteresse por "filmes sobre o que se lê nos jornais", dará curso em SP em 2007


SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

O que acontece na intimidade de alguém que está sempre confinado aos lugares em que (aparentemente) nada de importante acontece?
O cineasta argentino Rodrigo Moreno ensaia essa pergunta e uma resposta com seu longa-metragem de estréia, "O Guardião", atração de amanhã na Mostra de Cinema de São Paulo, com sessões também na segunda e no próximo sábado.
Guarda-costas de um ministro de Estado, Ruben (Julio Chávez) fica na ante-sala das reuniões, do lado de fora das festas, no estacionamento dos prédios, na calçada dos apartamentos ou nos corredores das casas e hotéis freqüentados pelo homem que deve proteger.
"Achei que abordar um personagem lateral, um homem sujeito à existência de outro seria interessante, até para descobrir como se filma essa história", afirma Moreno, 33.
A descoberta rendeu ao diretor o prêmio Alfred Bauer no Festival de Berlim, habitualmente conferido a obras que conduzem "a arte do cinema para novas direções".

Dependência
No filme e no discurso, o diretor acentua que a dependência entre os dois personagens e a "panela de pressão" emocional que a natureza desse vínculo impõe ao guarda-costas era o único tema que lhe interessava. A circunstância política argentina, portanto, fica de fora.
"Procurei afastar todo laço que a história pudesse ter com a realidade. Não me interessa fazer filmes sobre o que se lê nos jornais. Quero explorar uma problemática mais profunda", afirma.
O fictício ministro Artemio (Osmar Nuñez) ocupa uma pasta também inexistente -a do "planeamiento" (planejamento), e não a da "planificación", oficial e poderosa na estrutura de governo argentina.
"A idéia é que ele fosse um ministro de segunda linha, um burocrata, alguém sem paixão, anêmico." Autor também do roteiro, Moreno diz que procurou caracterizar o personagem do ministro "na contramão da imagem óbvia", que seria a de "alguém deliberadamente corrupto, deliberadamente ignorante e deliberadamente prepotente". Mas afirma que sua opinião sobre política fica clara no "discurso vazio" que é a constante do ministro.

Mínimo
Para o protagonista, o diretor diz que precisava ter "um grande ator disposto a não atuar, a expressar-se com o mínimo". Escolheu Julio Chávez, veterano no teatro argentino e nome em alta no cinema desde que foi dirigido por Adrián Caetano em "Un Oso Rojo" (um urso vermelho, 2002).
O "mínimo" de atuação de Chávez significa também que apenas um mínimo de informação sobre o personagem é oferecido ao espectador, ao menos diretamente.
É preciso seguir os passos de Ruben no filme para perceber sua constante solidão, seu descenso profissional, o desastre de sua vida familiar e também sua obsessão pelas normas e pelo bom desempenho.
Tudo isso para conduzir ao desfecho que Moreno define como sendo "a contradição" que foi, na verdade, seu ponto de partida para fazer o filme.
Depois da boa acolhida na estréia, o diretor escreve um novo longa, "em torno de um personagem adolescente" e se prepara para dar um curso de direção em São Paulo, no ano que vem.


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