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30ª Mostra de SP
"O Guardião" testa bordas do cinema
Com filme de estréia sobre guarda-costas, o argentino Rodrigo Moreno foi premiado em Berlim e ganhou atenção mundial
Cineasta, que diz ter atração por personagens laterais e desinteresse por "filmes sobre o que se lê nos jornais", dará curso em SP em 2007
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
O que acontece na intimidade de alguém que está sempre
confinado aos lugares em que
(aparentemente) nada de importante acontece?
O cineasta argentino Rodrigo
Moreno ensaia essa pergunta e
uma resposta com seu longa-metragem de estréia, "O Guardião", atração de amanhã na
Mostra de Cinema de São Paulo, com sessões também na segunda e no próximo sábado.
Guarda-costas de um ministro de Estado, Ruben (Julio
Chávez) fica na ante-sala das
reuniões, do lado de fora das
festas, no estacionamento dos
prédios, na calçada dos apartamentos ou nos corredores das
casas e hotéis freqüentados pelo homem que deve proteger.
"Achei que abordar um personagem lateral, um homem
sujeito à existência de outro seria interessante, até para descobrir como se filma essa história", afirma Moreno, 33.
A descoberta rendeu ao diretor o prêmio Alfred Bauer no
Festival de Berlim, habitualmente conferido a obras que
conduzem "a arte do cinema
para novas direções".
Dependência
No filme e no discurso, o diretor acentua que a dependência entre os dois personagens e
a "panela de pressão" emocional que a natureza desse vínculo impõe ao guarda-costas era o
único tema que lhe interessava.
A circunstância política argentina, portanto, fica de fora.
"Procurei afastar todo laço
que a história pudesse ter com
a realidade. Não me interessa
fazer filmes sobre o que se lê
nos jornais. Quero explorar
uma problemática mais profunda", afirma.
O fictício ministro Artemio
(Osmar Nuñez) ocupa uma
pasta também inexistente -a
do "planeamiento" (planejamento), e não a da "planificación", oficial e poderosa na estrutura de governo argentina.
"A idéia é que ele fosse um
ministro de segunda linha, um
burocrata, alguém sem paixão,
anêmico." Autor também do
roteiro, Moreno diz que procurou caracterizar o personagem
do ministro "na contramão da
imagem óbvia", que seria a de
"alguém deliberadamente corrupto, deliberadamente ignorante e deliberadamente prepotente". Mas afirma que sua
opinião sobre política fica clara
no "discurso vazio" que é a
constante do ministro.
Mínimo
Para o protagonista, o diretor
diz que precisava ter "um grande ator disposto a não atuar, a
expressar-se com o mínimo".
Escolheu Julio Chávez, veterano no teatro argentino e nome
em alta no cinema desde que foi
dirigido por Adrián Caetano
em "Un Oso Rojo" (um urso
vermelho, 2002).
O "mínimo" de atuação de
Chávez significa também que
apenas um mínimo de informação sobre o personagem é
oferecido ao espectador, ao menos diretamente.
É preciso seguir os passos de
Ruben no filme para perceber
sua constante solidão, seu descenso profissional, o desastre
de sua vida familiar e também
sua obsessão pelas normas e
pelo bom desempenho.
Tudo isso para conduzir ao
desfecho que Moreno define
como sendo "a contradição"
que foi, na verdade, seu ponto
de partida para fazer o filme.
Depois da boa acolhida na estréia, o diretor escreve um novo
longa, "em torno de um personagem adolescente" e se prepara para dar um curso de direção
em São Paulo, no ano que vem.
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