São Paulo, segunda-feira, 22 de julho de 2002

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CINEMA

Cineasta lança "Uma Vida em Segredo", adaptação de livro de Autran Dourado, 17 anos após "A Hora da Estrela"

Suzana Amaral (re)encontra o público na tela

Divulgação
Sabrina Greve, em cena de "Uma Vida em Segredo"


SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

A estréia de "Uma Vida em Segredo", na última sexta, foi um encontro ou um reencontro da cineasta Suzana Amaral, 70, com o público. Para quem aplaudiu em 85 sua estréia com o premiado "A Hora da Estrela" cessa a curiosidade pelo segundo passo de sua carreira no formato de longa-metragem em 35 mm, o mais prestigiado entre todos do cinema.
A geração que desconhece sua adaptação da obra literária de Clarice Lispector verá na tela pela primeira vez uma diretora que, no entanto, não se ausentou do ofício. "Não parei esse tempo todo", diz, na entrevista a seguir.
Tampouco pretende parar. Ao contrário, tem elenco definido (Paulo Miklos, Matheus Nachtergaele, Lázaro Ramos e Malu Mader) para o próximo filme, "Hotel Atlântico", baseado em livro de João Gilberto Noll, a ser rodado desta vez em vídeo digital.

Folha - Com o sucesso de "A Hora da Estrela" (85), você sofreu a "síndrome do papel em branco", o temor de se arriscar em outra obra?
Suzana Amaral -
Absolutamente. Desde então, não fiz longas-metragens, mas não parei de trabalhar. Dirigi uma minissérie em Portugal, muitos filmes documentários e institucionais e escrevi quatro roteiros. Sobrevivo de cinema. Todo esse tempo tive de batalhar minha sobrevivência, mesmo na era Collor. Isso sem contar que passei quase quatro anos viajando para promover "A Hora da Estrela", que foi vendido para mais de 20 países.
Até ganhei a Ordem do Rio Branco, de tanto promover o Brasil lá fora. Se eu estiver trabalhando em cinema, tanto faz que seja um longa, um curta, um documentário, um institucional.

Folha - Você percebe algum parentesco literário entre Clarice Lispector, Autran Dourado e João Gilberto Noll, os autores que elegeu para adaptar ao cinema?
Amaral -
Existem dois tipos de filmes: os de personagem e os de trama. Dou preferência aos de personagem. Em preferindo filmes de personagens, tenho uma inclinação pelos desencaixados, problemáticos, fora do comum. Acho que é essa preferência que me faz escolher esses livros.

Folha - A que se deve o seu êxito na escolha dos intérpretes desses personagens?
Amaral -
Para cada filme você tem que fazer uma busca. Mas, à medida que o tempo foi passando, fui desenvolvendo e aprimorando um método de trabalho. Não me desvinculo de tudo isso.
Sou zen-budista. Li que o Antunes Filho tem todo um trabalho teatral fundamentado no zen-budismo. Isso me atraiu. Fui ver o trabalho dele já disposta a encontrar alguém, porque sabia que quem estivesse lá iria falar a mesma língua que eu.
Quando cheguei, a Sabrina [Greve, a Biela, protagonista de "Uma Vida em Segredo"" estava fazendo um personagem completamente diferente da Biela. Era uma pivete, uma menina de favela muito desabusada. Mas tenho uma intuição, uma voz interior. Acho que meu anjo da guarda é diretor de cinema. Ele realmente me apontou, e eu fui nessa.

Folha - Você considera equivalentes os desempenhos de Marcélia Cartaxo em "A Hora da Estrela" (Urso de Ouro em Berlim) e Sabrina Greve em "Uma Vida em Segredo" (melhor atriz nos festivais de Brasília e Ceará)?
Amaral -
Não. Não tem nada a ver. Considerando os personagens, um é simplório e o outro é simples, nuanças que para mim são muito grandes. Outra diferença é que a Sabrina tem uma formação teatral que a Marcélia não tinha. Sabrina e eu tínhamos uma linguagem comum. Talvez na época de "A Hora da Estrela" eu trabalhasse com uma interpretação cinematográfica mais ao estilo Actor's Studio. Fui modificando isso e hoje fico mais na realidade do fazer, no aqui e agora.
Não quero que as pessoas representem. Não quero insights emocionais, memória afetiva. Proíbo formalmente isso. Acho que o cinema deve funcionar na base do "menos é mais". Defendo o minimalismo em todos os sentidos. Por que usar dois violinos se com um eu toco a música?

Folha - É fato que num debate no Cine Ceará você e o cineasta Jorge Furtado ("Houve Uma Vez Dois Verões") polarizaram opiniões? Você, na defesa de um cinema brasileiro radicalmente autoral. Ele, advogando a existência de um cinema de maior comunicação popular?
Amaral -
Houve uma polêmica. Tive de sair antes para viajar a Moscou e não cheguei a ouvir o ponto de vista dele, mas sei que ele faz um cinema completamente diferente do meu. Acho que o cinema no Brasil, indo na direção da televisão, está sendo infiel ao cinema. O cinema internacional feito por jovens continua fiel ao cinema com "c" maiúsculo. Aqui, o cinema feito por jovens enveredou para o cinema televisivo.
A continuar assim, vamos ter programas de televisão passados em tela grande. Então, para que fazer cinema, já que é muito mais barato fazer TV? Nesse caso, que se faça TV, e não cinema.
É meu ponto de vista, mas também defendo até à morte o direito de eles fazerem. Não sou radical, mas continuarei fazendo os meus filmes sem concessões.


UMA VIDA EM SEGREDO.
Direção: Suzana Amaral.
Com: Sabrina Greve.



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