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São Paulo, segunda-feira, 22 de dezembro de 2003

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DANÇA

"Trapiche" busca um outro país dentro de nós

INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA

"Trapiche ", o mais recente trabalho da Cia. Oito Nova Dança, foi desenvolvido na comunidade do Marujá (Ilha do Cardoso), com propostas de "resgate, memória e transformação" do fandango. Dança aqui é investigação e invenção: respostas e desafios para o entendimento de uma cultura ameaçada. Não só a da pequena comunidade litorânea, mas a de todos nós, no desterro de tempos vazios.
Parte do material recolhido por Lu Favoretto e seu grupo fica à mostra antes do espetáculo, numa exposição de fotos e vídeos. São imagens editadas do processo de criação, incluindo dança e música dos próprios habitantes da comunidade.
No mesmo espírito integrativo, o espetáculo começa na platéia, com música (canto, violões, rabeca) e dança (o fandango). É a raiz de tudo o mais -referências à cultura marujaense pontuam o espetáculo, do início ao fim. São marcas claras, lindas nos corpos de quem dança.
Se a música não tem muita variação ou desenvolvimento, não é isso que importa. Ou importa, mas noutro sentido: pois é no momento em que os gestos conhecidos começam a falhar que chega a hora da mudança. Distanciando-se das formas de vida encontradas, a dança envereda por labirintos de outra natureza.
Solos instigantes e danças de grupo fazem esforço para se renovar, o que implica uma dose de perigo quando isso vira um repertório de símbolos.
Mas um espetáculo que se apresenta como processo há de crescer com o tempo. O vaivém no trapiche -ancoradouro e ao mesmo tempo lugar de passagem- merece respeito e atenção, mesmo quando seu sentido ainda parece em luta consigo. Talvez nisso também a cia. tenha lições para nos dar. Não são muitos que têm a coragem de buscar outro país dentro de nós; e a matéria mais viva da dança não se entrega facilmente a nenhum de nós, desterrados.


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