São Paulo, sábado, 23 de abril de 2005

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MÚSICA ERUDITA/CRÍTICA

Serena, Nathalie Stutzmann divide a solidão de Brahms com a Osesp

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

Quinze minutos de Nathalie Stutzmann justificam qualquer concerto. Quanto mais se são 15 minutos de Brahms (1833-97). E teve muito mais música boa nessas últimas duas semanas de Osesp na Sala São Paulo, a começar pelas artes do pianista Nelson Goerner e a terminar pela portentosa cantata "Alexander Nevsky", de Prokofiev (1891-1953).
A contralto francesa Nathalie Stutzmann esteve na cidade há dois anos, para um recital de canções. À frente da orquestra, agora, parece ainda mais dona de si: segura e serena no exercício de uma música que se impõe sem fazer alarde. Os lindos tons castanhos da sua voz modulam intensidades minuciosamente, a favor do texto -no caso, um poema de Goethe (1749-1832), sobre "o solitário", rejeitado do amor, para quem "o bálsamo se tornou veneno".
O poema ganha sentidos devastadoramente autobiográficos para Brahms, que escreveu a "Rapsódia para Contralto e Orquestra" como presente de casamento para uma das filhas de Robert e Clara Schumann, por quem ele mesmo estava apaixonado (depois de apaixonado pela mãe). A entrada do coro masculino, no fim, só torna o solitário mais isolado ainda, mas a contralto aqueceu as sugestões de uma possível e salvadora nova paixão, imaginada bênção de um Deus cujo "saltério", a essa altura, virou a orquestra inteira.
Roberto Minczuk é outro que parece cada vez mais seguro de si. Não tem mais que procurar uma linguagem de gestos; seus movimentos ganharam aquela coerência pessoal, sem palavras, que é um dos mistérios da regência. Que a fluência pode ser um perigo, todo mundo sabe: quando as coisas começam a ficar fáceis é que elas ficam difíceis. Quer dizer, para quem tudo ficou fácil, o difícil é não perder o que é oblíquo, obscuridades que o espetáculo da música pode ofuscar.
No caso da cantata de Prokofiev -para grande orquestra e coro-, o perigo não existe, porque já foi desarticulado por dentro. Composta por encomenda oficial, para o filme de Eisenstein, a partitura tem vida dupla, ao mesmo tempo espetacular propaganda nacionalista soviética e outra música, que não tem nada de espetaculoso. Stutzmann cantou lindamente sua ária de lamentação.
Espetaculosa mesmo é a música do pouco conhecido Giuseppe Martucci (1856-1901). Nelson Goerner fez prodígios no "Concerto para Piano e Orquestra, op. 66", com a Osesp na semana passada. Cadências incríveis, diabolismos de todos os tipos etc. Mas o "Concerto" é uma daquelas peças que, mal acaba, a gente imediatamente não tem vontade de ouvir de novo. Bom mesmo foi o pequeno Scarlatti do bis. E a "Quinta Sinfonia" de Dvorák (1841-1904), que John Neschling regeu com minimalista maestria (a música se mexendo, não ele). Faiscante, mendelssohniano "Scherzo". Controlado delírio das cordas no fim. Sopros e trombones de sonho. O Brahms de Praga, feliz.


Osesp com Nathalie Stutzmann
    
Quando: hoje, às 16h30
Onde: Sala São Paulo (pça. Júlio Prestes, s/nš, Campos Elíseos, tel. 3337-5414)
Quanto: de R$ 25 a R$ 79


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