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MÚSICA ERUDITA/CRÍTICA
Serena, Nathalie Stutzmann divide a solidão de Brahms com a Osesp
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Quinze minutos de Nathalie
Stutzmann justificam qualquer concerto. Quanto mais se
são 15 minutos de Brahms (1833-97). E teve muito mais música boa
nessas últimas duas semanas de
Osesp na Sala São Paulo, a começar pelas artes do pianista Nelson
Goerner e a terminar pela portentosa cantata "Alexander Nevsky",
de Prokofiev (1891-1953).
A contralto francesa Nathalie
Stutzmann esteve na cidade há
dois anos, para um recital de canções. À frente da orquestra, agora,
parece ainda mais dona de si: segura e serena no exercício de uma
música que se impõe sem fazer
alarde. Os lindos tons castanhos
da sua voz modulam intensidades
minuciosamente, a favor do texto
-no caso, um poema de Goethe
(1749-1832), sobre "o solitário",
rejeitado do amor, para quem "o
bálsamo se tornou veneno".
O poema ganha sentidos devastadoramente autobiográficos para Brahms, que escreveu a "Rapsódia para Contralto e Orquestra"
como presente de casamento para
uma das filhas de Robert e Clara
Schumann, por quem ele mesmo
estava apaixonado (depois de
apaixonado pela mãe). A entrada
do coro masculino, no fim, só torna o solitário mais isolado ainda,
mas a contralto aqueceu as sugestões de uma possível e salvadora
nova paixão, imaginada bênção
de um Deus cujo "saltério", a essa
altura, virou a orquestra inteira.
Roberto Minczuk é outro que
parece cada vez mais seguro de si.
Não tem mais que procurar uma
linguagem de gestos; seus movimentos ganharam aquela coerência pessoal, sem palavras, que é
um dos mistérios da regência.
Que a fluência pode ser um perigo, todo mundo sabe: quando as
coisas começam a ficar fáceis é
que elas ficam difíceis. Quer dizer,
para quem tudo ficou fácil, o difícil é não perder o que é oblíquo,
obscuridades que o espetáculo da
música pode ofuscar.
No caso da cantata de Prokofiev
-para grande orquestra e coro-, o perigo não existe, porque
já foi desarticulado por dentro.
Composta por encomenda oficial,
para o filme de Eisenstein, a partitura tem vida dupla, ao mesmo
tempo espetacular propaganda
nacionalista soviética e outra música, que não tem nada de espetaculoso. Stutzmann cantou lindamente sua ária de lamentação.
Espetaculosa mesmo é a música
do pouco conhecido Giuseppe
Martucci (1856-1901). Nelson
Goerner fez prodígios no "Concerto para Piano e Orquestra, op.
66", com a Osesp na semana passada. Cadências incríveis, diabolismos de todos os tipos etc. Mas o
"Concerto" é uma daquelas peças
que, mal acaba, a gente imediatamente não tem vontade de ouvir
de novo. Bom mesmo foi o pequeno Scarlatti do bis. E a "Quinta
Sinfonia" de Dvorák (1841-1904),
que John Neschling regeu com
minimalista maestria (a música se
mexendo, não ele). Faiscante,
mendelssohniano "Scherzo".
Controlado delírio das cordas no
fim. Sopros e trombones de sonho. O Brahms de Praga, feliz.
Osesp com Nathalie Stutzmann
Quando: hoje, às 16h30
Onde: Sala São Paulo (pça. Júlio Prestes,
s/nš, Campos Elíseos, tel. 3337-5414)
Quanto: de R$ 25 a R$ 79
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