São Paulo, sábado, 23 de abril de 2011

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CRÍTICA DRAMA

Em "Ricky", franco-suíço nos prepara para o que não virá

Divulgação
Sergi López e Arthur Peyret em cena de "Ricky", longa do diretor francês François Ozon

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Desde as primeiras sequências de "Ricky", François Ozon demonstra sua enorme capacidade para trazer o espectador ao forte sentido de atmosfera que cria.
Assim, vemos Katie, a mãe, e sua pequena filha, Lisa, se preparando para andar em uma pequena Vespa. Mais tarde, Katie conhece Paco, seu colega na fábrica. Os dois começam um namoro, seguido pelos olhos de Lisa.
Evidentemente, as atenções da mãe agora se dividem entre a filha e o amante, de maneira que pensamos na maneira como Lisa absorve o golpe de já não ser a única.
Ela o absorve, mas a apreensão do espectador não se dissipa.
É numa atmosfera de mistério que "Ricky" nos projeta. Mas, claro, dele não está isenta a psicologia. E é a evolução do drama psicológico (e de nossos hábitos e expectativas) que o diretor francês parece desde o início querer contrariar. Ele nos prepara para o que não virá.
Mesmo antes de Ricky nascer, portanto, Ozon opera o cinema como uma máquina de destruir as expectativas que o próprio hábito do cinema criou.
O nascimento de Ricky será um grande evento. Novamente as expectativas se voltam para as reações de Lisa. Como se comportará diante desse bebê? Lisa, no entanto, manifesta muito menos contrariedade do que Paco, que será expulso da casa, suspeito de maus tratos ao bebê.
As suspeitas de Katie se voltarão para Lisa, no dia em que o bebê simplesmente desaparece. É bem aí que tudo muda no filme. É quando descobrirão que Ricky começou a desenvolver asas. O que poderia significar isso? Que atitude tomar?

MONSTRUOSIDADE
Existe algo de monstruoso nisso. O que são bebês-monstros? Seres demoníacos, segundo a tradição do cinema fantástico, em particular americano. Mas, para Katie, pouco importam as asas. Importa que Ricky é seu filho e deve ser preservado.
A partir desse bebê com asas, Ozon desenvolve então sua fábula sobre como a exótica constituição de Ricky torna-se não um fator de intolerância e deterioração das relações familiares, mas, ao contrário, a partir dele se dá o elogio da tolerância.
Não se deve confundir esse percurso com uma condução errática da narrativa. De início, o filme nos transmite uma forte impressão de mistério. Ao longo dele essa impressão não se dissipa: apenas seu acento se desloca. O mistério do humano não se dissipa e sim adensa-se, surge onde não se espera, surpreende e, por fim, encanta: Ozon é um dos cineastas em atividade mais enigmáticos e, talvez por isso, subestimados do mundo.

RICKY

DIREÇÃO François Ozon
PRODUÇÃO França, 2009
COM Alexandra Lamy, Sergi López e Arthur Peyret
ONDE no cine Espaço Unibanco Augusta
CLASSIFICAÇÃO 12 anos
AVALIAÇÃO ótimo


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