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DANÇA/CRÍTICA
Espetáculo de Márcia Haydée e Ismael Ivo aborda as turbulências de um casal e suas mortes simbólicas
Do humor à tragédia de Tristão e Isolda
INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA
Dois grandes nomes da dança, reunidos para inventar
algo diferente: a dupla Ismael Ivo
e Márcia Haydée estreou sábado
passado sua reinterpretação de
"Tristão e Isolda". Marcado pelas
intensidades da música de Wagner (1813-83), o espetáculo de
dança-teatro está tão longe da
lenda medieval quanto do romantismo alemão ao abordar as
turbulências de um casal e suas
várias mortes simbólicas. Ao
mesmo tempo, reencena questões
ancestrais.
O espetáculo começa fora do
palco, com o casal discutindo. A
cena é minimalista, geometricamente desenhada: pela luz, pelos
objetos (mesa, cama) e pelo próprio limite do cenário (painel
branco ao fundo). Solto na imensidão do espaço, vê-se o cálice
com o fluido de amor. A coreografia é de Ivo e Haydée, dirigidos
por Marco Aurelio, que reforça
oposições entre os intérpretes. Estilos e gêneros variam, do humor
à tragédia, da situação mais prosaica à sugestão mais poética.
Quase tudo se passa em silêncio,
no largo tempo da dramaturgia. A
música de Wagner -várias versões da "Morte de Amor" (cena final da ópera "Tristão e Isolda")-
marca os encontros do casal, com
violência e prazer, ternura e desgosto. Os momentos mais fortes
da noite são esses quadros de
imobilidade aparente, de intenção tão tensa e densa. Exemplo: o
casal de quatro, contraposto ao
vermelho no fundo. Como esfinges, uma de frente para a outra,
seus rostos quase se tocando.
Há um risco na mistura de linguagens, que nem sempre parece
chegar ao que se propõe. Uma caminhada empostada de Haydée,
ao modo clássico, não rompe o
que é natural na cena? E os gestos
dos dois, por vezes, não estão colocados? Será que o significado interno não se perde na estilização?
Em outros momentos, pequenos
gestos repetidos bastam para dizer os não-ditos que marcam uma
relação de amor.
Com o tempo, o espetáculo
cresce, o que é sempre bom sinal.
Se a paradoxal união de estilos
pode neutralizar as cargas, talvez
também possa dinamizar modelos estabelecidos. Até que ponto a
história de Tristão e Isolda está
sendo alegoricamente vivida nas
abstrações da dança não parece
ser a preocupação principal de
ninguém, mas nem por isso a pergunta deixa de ser relevante. Entre a potência de sentido e a vontade de representação, esse Tristão e essa Isolda vivem mais uma
vez sua morte, para aquecer, mais
uma vez, nossa vida.
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