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BALÉ DO AMAZONAS
Com "Traços", companhia expressa graça e qualidade
CRÍTICA DA FOLHA
Formas breves, transitivas,
imprimindo riscos no espaço:
simultaneidade de gestos e trocas
de perspectiva foram as marcas
da Companhia de Dança do Amazonas, em sua primeira vinda a
São Paulo. Na última sexta-feira, a
CDA apresentou três coreografias: "Traços", de Henrique Rodovalho, "Criação/Kronos", de Ivonice Satie, e "A Noite Transfigurada", de Anselmo Zolla.
Em "Traços", movimentos cortados e angulosos compunham e
decompunham as estruturas dos
corpos. Eram 11 bailarinos: impecáveis. A coreografia de Rodovalho (diretor da companhia goiana
Quasar) dialoga com músicas do
repertório da canção brasileira
contemporânea (Caetano Veloso,
Jorge Mautner, Gilberto Gil e Sérgio Amado).
A dança cria significados novos
para a música; em "Voa, Voa, Perereca" (Sérgio Amado), por
exemplo, "perereca" e "passarinho" (ela de pé, ele no chão) se
traduzem com graça em braço,
mão e pé, desfiando metáforas
que se desmancham no mais literal sentido dos corpos.
"Criação" trabalha o universo
mítico da lua e do sol (energias de
azul e vermelho). A dança está em
harmonia precisa com a música
-do violonista Eduardo Agni-
seja nas construções das frases,
seja nos acentos. Se os movimentos são derivados da técnica clássica, exigindo precisão e habilidade, ao mesmo tempo são quebrados por acentos e dinâmicas mais
presentes na dança moderna
(contrações, quedas etc.), o que
cria consideráveis dificuldades de
execução. Ficaram claros em cena
os deslizes e desencontros, expondo a fragilidade técnica desse
grupo relativamente novo (foi
fundado em 1998).
Esse mesmo tipo de movimento
é empregado na coreografia que
fecha o espetáculo, "A Noite
Transfigurada". Aqui a dramaticidade toma conta da cena, inspirada no poema expressionista de
Richard Dehmel, por sua vez musicado sem palavras na partitura
pré-dodecafônica de Schoenberg
(1874-1951). A linguagem dos corpos não explica nem decifra as
obscuridades, nessa história de
amantes perdidos na noite, a mulher carregando um bebê de outro, o homem transfigurado por
seu amor. Os bailarinos dançam
em claridades, mergulhados na
sombra. A dança, afinal, se verga
sob a carga de símbolos.
Foi bom ter em São Paulo a
companhia do Norte. É verdade
que o repertório só apresentou
nomes de coreógrafos já bem conhecidos por aqui -quem sabe,
numa próxima vez, se possa ver
alguma coisa de um coreógrafo de
lá. Nem tudo foi do mesmo nível
de excelência? Não, mas isso não
diminui a importância da CDA.
Oxalá houvesse mais companhias
estatais dessa qualidade espalhadas pelo país. Já seria, aliás, outro
país.
(INÊS BOGÉA)
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