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São Paulo, quinta-feira, 23 de outubro de 2003

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FOTOGRAFIA

Artista, presente na Bienal de Veneza, lança livro e abre mostra

Rennó ordena amnésia social

Divulgação
Foto coletada em Cuba que integra a série 'Cerimônia do Adeus'


EDER CHIODETTO
EDITOR DE FOTOGRAFIA

Onde foram parar aquelas fotos 3x4 que você fez tantas vezes durante a vida? E as imagens das festas familiares? A repetição do gesto fotográfico na tentativa de estancar o tempo, o acúmulo de imagens e o inevitável esquecimento desses memoriais são alguns dos motes do trabalho da artista Rosângela Rennó, que lança "O Arquivo Universal e Outros Arquivos" durante abertura de mostra na galeria Fortes Vilaça.
O livro abriga parte das obras que estiveram na retrospectiva de Rennó no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio até o mês passado. Selecionada para a Bienal de Veneza deste ano, Rennó se tornou uma das artistas brasileiras de maior evidência na atualidade.
Sua obra baseia-se na apropriação e reordenação de imagens encontradas em sebos, arquivos públicos e álbuns de família. Ela raramente fotografa. Ao acessar esses "cemitérios" de imagens documentais, ela traz à tona um questionamento sobre valores intrínsecos à fotografia como a veracidade e a permanência.
O livro tem início com a série "Corpos da Alma I", na qual imagens coletadas com repórteres fotográficos mostram pessoas procurando parentes desaparecidos com seus retratos. "As imagens de álbuns de família possuem a magia de salvaguardarem nossa fábula pessoal. É também tido como comprovação máxima das nossas falsas identidades", diz Rennó.
Mas a memória, ainda que documentada, segue uma trilha pouco confiável, mutável com o tempo e extremamente manipulável. "Prefiro a amnésia à memória. Para lembrar as coisas é preciso ter a capacidade de esquecer. O tempo da memória é o tempo do deslocamento do presente."
Em "Imemorial" (1994), mais uma das séries que integram o livro, Rennó exibe o retrato de 54 candangos mortos durante a construção de Brasília. O tratamento em negro dados às imagens dificultam a visão, numa alusão à amnésia da sociedade.
Da mesma forma, na "Série Vermelha" (2001), trabalho selecionado para Veneza, Rennó utiliza imagens de militares exibindo suas condecorações e os tinge de vermelho sangue.
Na mostra da Fortes Vilaça, estarão presentes as séries "Cerimônia do Adeus" (1997) e "Bibliotheca" (2002). Na primeira, Rennó trabalha imagens conseguidas com uma fotógrafa cubana que tinha por função documentar casamentos. As imagens mostram os casais saindo de carro ou de moto após a cerimônia, num ritual que é bancado pelo governo de Fidel.
Em "Bibliotheca", Rennó juntou álbuns fotográficos conseguidos ao redor do mundo. Inacessíveis ao visitante por estarem lacrados, seus conteúdos só podem ser acessados através de um arquivo que reúne fichas descritivas sobre as imagens. São como fotografias cegas, na qual o visitante apenas as imagina. Por vezes, é preciso não ver para enxergar.

O ARQUIVO UNIVERSAL E OUTROS ARQUIVOS. De: Rosângela Rennó. Editora: Cosac & Naify (119 págs., 384 págs). Patrocinador: Banco do Brasil.

MOSTRA "ROSÂNGELA RENNÓ - BIBLIOTHECA E CERIMÔNIA DO ADEUS". Abertura sexta, às 20h. De ter. a sex., das 10h às 19h; sáb., das 10h às 17h. Onde: galeria Fortes Vilaça (rua Fradique Coutinho, 1.500, tel. 3032-7066). Até 21/11.



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