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TEATRO
"Avalanche", do dramaturgo David Rabe, é montada pela primeira vez no Brasil, com direção de Ivan Sugahara
Espetáculo desmascara a hipocrisia da fama
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
Há poucos anos atrás, atores
da Companhia de Ópera Seca, então no auge da vanguarda,
se felicitavam por ter escapado ao
beco sem saída do realismo, que
os teria prendido em um sofá, segurando um copo de uísque.
O fato de vários deles, além do
diretor Ivan Sugahara, que foi assistente de Gerald Thomas, estarem justamente hoje em torno do
sofá de "Avalanche", imersos em
uísque, cocaína e verborragia, não
representa um retorno prudente
ao convencional. Muito pelo contrário: há uma grande maturidade
em dominar uma linguagem para
destruí-la por dentro. O desafio é
tão grande que esta é a primeira
vez que se monta um texto de David Rabe no
Brasil.
Alinhavo voluntário de clichês,
em "Avalanche" Rabe faz com o
sitcom o que Almodóvar faz com
o melodrama: simula suas fórmulas para expor a solidão e vazio de
sentido do cotidiano atual. Mais
conhecido aqui como roteirista,
Rabe se apóia em um diálogo vertiginoso e em uma narrativa em
tema e variações em torno do arrivismo e da falsidade dos que deveriam ser formadores de opinião, mas que se comprazem no
medíocre e no simulacro.
Frágeis e vazios como cascas de
ovo depois do frigir, os personagens se entredevoram não para
obter o poder, mas por sentir que
o poder que obtiveram é mesquinho e indevido. Não por acaso, o
título original, "Hurlyburly", cita
as bruxas de Macbeth: "When the
hurlyburly is done/ When the battle's lost and won".
Eddie (um patético e carismático Bruce Gomlevsky) é um diretor de elenco de Hollywood que
divide escritório e apartamento
com o Mickey (Marcos Azevedo,
que simula cinicamente um galã).
Tendo que dividir com ele também a mulher que ama (Ludmila
Rosa, de sensualidade ácida e
classuda), se afunda em cocaína e
se distrai brincando com a ambição do ator medíocre Phil (Marcio Vito, que mergulha na rusticidade que o papel exige). Artie, o
roteirista (Cláudio Handrey, de
calculada ironia), traz de presente
para os dois Donna (Bianca Comparato, que enche o palco com seu
frescor), adolescente perdida no
mundo, enquanto Eddie oferece a
Phil Bonnie, a prostituta pau-para-toda-a-obra.
Machistas, odiosos, seguimos a
trajetória ao longo dos meses destes que no fundo não estão mais
em busca da fama e da auto-realização, mas à espreita de um momento de sinceridade, que validaria a vida. Não raro recorrem a
uma enciclopédia como se fosse
novas tábuas de Moisés, mas
Deus teima em sua ausência.
E o tempo se esvai em pequenos
gestos, chaves de carro jogadas na
mesa, carreiras cheiradas, programação da TV. Quando acaba a
peça, já parecem estranhamente
familiares, como amigos incômodos. É o mérito da direção de Sugahara, que alinhava marcas e
diálogos sem chamar a atenção,
permitindo aos atores a difícil
conquista da espontaneidade.
Não é por incapacidade, muito
pelo contrário, que os atores de
"Avalanche" incomodam quem
insiste em fazer marketing do arrivismo da fama. Parecem perguntar: isto é gente?
Avalanche
Texto: David Rabe
Direção: Ivan Sugahara
Com: Julia Carrera, Marcio Vito e outros
Onde: Sesc Belezinho (av. Álvaro Ramos,
915, tel. 6602-3700)
Quando: sáb. e dom., às 18h
Quanto: R$ 7,50 a R$ 15
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